venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006 |
Versões do Feminismo na Amazônia brasileira: Orminda e Eneida nos contextos nacional e internacional MARIA LUZIA MIRANDA ÁLVARES |
Sumário |
Introdução |
4. Amarrando alguns tipos... criando conclusões |
Entre as várias versões analisadas sobre o feminismo no Pará, o tema feminismo recebeu diferentes enfoques. O que seria feminismo e o que seria prática feminina? Coisas diferentes? Para alguns, feminismo representou a prática partidária das mulheres das ligas femininas Lauristas, enquanto que para outros, essa prática feminina tendia a expressar um "valor patriótico", "dever de toda a mulher quando vê a pátria ameaçada". Artifício? Ou lógica do movimento? Para outros, o termo representou a saída às ruas das mulheres, para o espaço público profissional, presença nos espaços ditos masculinos, apologia ao sufragismo, ou seja, vivência no emancipacionismo político. O crescendo da presença feminina, pleiteando ser reconhecida, no mesmo nível de igualdade com os homens, através da exigência de uma boa educação e instrução, referendava ameaças à superioridade masculina, tantas vezes demonstrada e servia de argumentação ao conceito sobre o feminismo. A questão tornou-se esclarecida a partir do debate jornalístico sobre o sufragismo. Acrescentaram-se as formas de desvalorização à conduta feminista. A emancipação civil tornara-se mais tolerada, mas a emancipação política criou anticorpos masculinos. Nas versões anti-sufragistas, esboçaram-se discursos fundamentados numa ideologia patriarcal, no liberalismo, positivismo e no catolicismo. Quer nos discursos dos Constituintes paraenses de 1891, quer nos debates jornalísticos locais, quer no texto publicado sobre o processo de indeferimento do alistamento de duas mulheres paraenses, em 1929, estavam claros os termos das interdições à concessão ao direito do voto, "prática não condizente com a figura feminina", possibilidade de dissolução da "família brasileira", "fragilidade orgânica feminina", "incapacidade política da mulher", "desprezo que têm à mulher pelo direito do voto", argumento de que o Artigo 70 da Constituição de 1891 não excluía a mulher, só não evidenciava quem era o cidadão. A versão feminina anti-sufragista tem uma dimensão. Exime as mulheres dos estereótipos da versão masculina ao retrato da sufragista, mas evidencia alguns problemas que estariam mascarando o verdadeiro feminismo sufragista: negaram as atitudes externas/marcas dos tipos feministas (demonstração de superioridade intelectual, deselegância, "feiura") que surgem, afirmando que somente as rupturas, na essência das desigualdades entre homens e mulheres levariam à quebra da "escravidão" feminina. Questionaram a não percepção da mulher de sua condição de fêmea/feminilidade, obstáculo à concorrência, no campo masculino. Denunciaram um feminismo que não redime, mas conserva a mulher na "servidão" secular. Objetaram sobre a possibilidade da permanência da aparente fragilidade como artifício nas relações desiguais de poder. Denunciaram a ausência de uma boa educação e socialização, elementos necessários ao repensar da condição feminina e à ruptura com a discriminação intelectual. Elevaram a maternidade com aval de competência ao trânsito em outros espaços. Procuraram valorizar o espaço privado do cotidiano. São duas versões distintas, portanto, onde o anti-sufragista é percebido de acordo com as convicções pessoais dos dois gêneros: para os homens, a ameaça de um outro concorrente num espaço em que ele transita exclusivo; para as mulheres, a exigência das rupturas, no nível das essências da desigualdade. Do contrário, seria preferível os artifícios femininos, subvertendo o poderio masculino. A sabedoria feminina procurava engendrar os reforços a um retrato instituído embora o significado tivesse um outro alcance. Se por um lado essas versões anti-sufragistas captadas aos discursos dos(as) paraenses conseguem assumir um caráter diferencial, por outro, observa-se a disseminação da vertente liberal burguesa percorrendo os argumentos tanto de feministas quanto de anti-sufragistas. Há mudança dessa perspectiva no olhar de Eneida de Moraes sobre os rumos tomados pelo feminismo no enfoque sufragista. Ao observar a recorrência e o atrelamento do caráter conservador e pensar a mulher pelo movimento feminista que se articula na época das sufragistas, ela procurou heroicizar o gênero. No seu artigo “Conversando” há vestígios de uma preocupação com as estruturas das classes sociais em que as mulheres transitam locus determinante do lugar que ocupam no espaço social. É sintomática a identificação que faz da inteligência superior da mulher operária e das comerciárias, no trabalho e na hora de vender essa força, recebendo menos do que o homem. O falso feminino é o que quer igualar direitos sem ver as diferenças. E ela exemplifica apontando para o tratamento social desigual à infidelidade do homem e da mulher um “natural”, o outro culposo. A conotação das peculiaridades do discurso de Eneida de Morais aponta para uma aproximação com o que as feministas socialistas vão engendrar em seus argumentos, a partir da criação do Partido Comunista Brasileiro, indiferenciado da que se observa no plano internacional. Mais tarde, Eneida de Moraes reencontra suas dimensões políticas ao inscrever-se no partido, sendo presa quando esta organização dissente das estruturas políticas do governo de Getúlio Vargas. A escritora é submetida a torturas pela ideologia na qual militava e, mais tarde, deixa o país. Ao achar que as transformações propostas pelo movimento sufragista não atingiriam a essencialidade das questões mais íntimas considerava que haveria reprodução das práticas domésticas, no espaço público e a mulher poderia perder os poderes que mantinha veladamente sobre os homens. No registro deste percurso histórico de duas parceiras que vivenciaram o feminismo de suas épocas espera-se ter confrontado as várias versões que emergiram na imprensa sobre o sufragismo brasileiro. São protagonistas de uma história que teima em excluí-las da história das mulheres no Brasil. |