Por tudo o que atrás afirmámos, a ideia de “mulher” não pode deixar de ser, também ela, não uma essência mas uma construção e uma construção de natureza performativa (cf. Cima p. 223). Tal como a filósofa feminista Judith Butler defende desde 1990, é necessário alargar o campo cultural com o corpo através de representações subversivas de vários tipos”/“to expand the cultural field bodily through subversive performances of various kinds” (cit. in Cima, nota 1, p. 224) e cabe a cada pessoa, no caso, a cada mulher artista inventar o seu corpo, embora com a consciência de que esse processo performativo de fisicalização depende dos condicionalismos vários que nos cerceiam e limitam as possibilidades (cf. Cima p. 224).
Ora, uma das dificuldades que enfrentam homens e mulheres na actual cultura tecnológica, no actual tempo cyborg (que é uma criatura pós-género) (1), é que a entidade mais problemática e problematizadora é justamente o corpo. Sendo o corpo o lugar-interface onde se problematiza a personalidade individual, onde se desconstrói a subjectividade e em última instância o nosso ser ontológico e a nossa singularidade de pessoas, como proceder, então, no quadro de uma sociedade tecnológica, num mundo de fluxos de informação e conexão, que vem desprovendo o corpo da sua capacidade de mediação simbólica e de presença aglutinadora (cf. Tucheman pp.158-164) e redefine o indivíduo como “personalidade otaku [palavra japonesa que significa “pessoa como informação”] (2), como reinvestir o corpo das mulheres presentes na cena – pela via da materialidade ou da imaterialidade (imagem), da actuação ou da inter-actividade -- da sua possibilidade de transformar-se enquanto actantes sociais e actores da transformação das sociedades?
Repetindo uma expressão que era cara a Osório Mateus, “fazendo!” E este fazer para as mulheres artistas implica reivindicação: conseguir mais dinheiro, mais poder, mais oportunidades, mais quotas, mais infra-estruturas para as apoio às famílias, mais escrita de textos, mais edição, mais representação nos grandes e pequenos teatros e mais, muito mais arrojo na experimentação, nos conceitos (cf. Goodman, p. 301) e na sua defesa ruidosa, pois como defende Camille Paglia em Sexual Personae: “As mulheres nunca terão sucesso nos níveis ou números que merecem enquanto não superarem a sua gentil relutância em recorrer a uma linguagem ofensiva nos ataques e contra-ataques da guerra territorial. . . .A minha concepção de feminismo das ruas exige tácticas guerrilheiras agressivas de velocidade, subterfúgio e surpresa.” (pp. 14-15)
Lisboa, 14 de Junho de 2007.
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