Com efeito, a necessidade de personificação foi sempre a necessidade humana de alguém supor-se outro. Mas outro, porquê? Responda-se indirectamente com a resposta a outra pergunta: que outro? Um outro mais poderoso, mais seguro, mais livre, mais liberto de contigências e de sujeições de toda a espécie. À primeira vista é isto um paradoxo. Pois será que as mais antigas personagens de teatro, que chegaram até nós, serão isso, ou pelo contrário criaturas sujeitas terrivelmente ao capricho dos deuses e do destino? Há, todavia, uma liberdade que essas personagens possuem em alto grau, quando não possuem nenhuma outra: a de recusar uma opção, a de recusarem o reconhecimento de ser justiça o que sofrem. Jorge de Sena, O Teatro em Portugal, p. 24 |