O conceito de “transformação”, no teatro contemporâneo, assume, proteicamente, variadas significações e práticas. Sem recurso a qualquer hierarquia ou tipologia, apresento, de seguida, algumas das vias teatrais fundadas num entendimento específico deste conceito (transformação) que veicula a convicção comum do teatro como lugar de ficcionação e motor de metamorfose.
Coloco em primeiro lugar, o entendimento do conceito de transformação tal como ele é subentendido por detrás do sistema de “jogos teatrais” (theatre games em oposição a dramatic games) criado, no início dos anos 60, pela pedagoga e encenadora americana Viola Spolin. Segundo esta autora, o processo de actuação no teatro através da participação em jogos e, dentro destes, da fisicalização dos gestos e atitudes, possibilita o desenvolvimento da criatividade pessoal e da individualidade no interior de um sistema de regras, favorecendo, paralelamente, o trabalho em grupo (público incluído). Os objectivos de um teatro como este, que assenta no jogo a possibilidade de criação, visa a transformação do/da espectador/a em actor/actriz (social) – que tal como os actores/intérpretes estão sujeitos a quebras momentâneas, que propiciam a “transformação”, por causa justamente do seu isolamento individual -- e acredita na possibilidade de intervenção do teatro (mágica teatral) nas sociedades.
São múltiplos os sistemas teatrais que tal como o de Viola Spolin assentam na convicção de que o teatro é motor de transformação da sociedade. Todos os teatros “políticos”, desde Aristóteles e muitas das linhas de um teatro metafísico – como o entendeu Artaud no sentido de um Teatro-Alquimia que seria o Drama essencial e expressão da “fase da dificuldade e do Dupla” (O Teatro e o seu Duplo, p. 49) do acto da Criação-- partilham desta característica, incluindo os modos mais normativos e os mais “improvisacionais”. Aliás, a improvisação é uma das ferramentas identificadoras destas linhas de trabalho desde os finais do século XIX, que foi utilizada em contextos e filosofias muito diversas e por vezes antagónicas.
Vejam-se os exemplos dos grupos que se vocacionam para o “transformational theatre” que se define, genericamente, como promotor de mudança social e meio de ultrapassar a mera individualidade como objectivo e horizonte final. A Companhia americana Transformation Theatre Style, um grupo de “teatro pobre” e intimista e vocacionado para públicos de todas as idades, à imagem do teatro experimental que designámos, em Portugal, como “teatro de intervenção” ou “teatro brechtiano” logo após o 25 de Abril de 1974, usa, ainda hoje, a improvisação para divulgar e analisar histórias do folclore internacional, não utilizando nem iluminação, nem sonoplastia ou cenários, sendo pedido aos actores que desenvolvam um trabalho de grande imaginação física para representar as realidades a que vão fazendo referência (“splach”, “squish, squich”, etc.).
Uma das técnicas do teatro transformacional é a técnica do “shift”, da mudança brusca de “personagem”, havendo, até, sobretudo na América do Sul, linhas de trabalho designadas “coaching transformational” que ensina, para fins de maior produção/produtividade, técnicas de comunicação para uso… nas empresas. Existe, ainda, a esta linha associada, uma Ontologia da Linguagem, uma Linguística Transformacional e até um Teatro Teológico que partilham o princípio, a convicção – como se vê muito pragmática -- do poder transformativo da arte.
Mas é no teatro antropológico que pensamos quando nos referimos, geralmente, à transformação teatral como técnica. A representação da “Mulher” no teatro japonês (ex: Terayama Shuji) é uma das mais conhecidas a nível mundial, quer na versão do corpo transformado do Onnagata, quer nos “Crones” do Teatro Nô, quer ainda nas construções masculinas do “feminino” nas populares peças de amor suicida do teatro Bunraku.
A performance e a teoria feminista cyborg são os lugares de uma teorização e práticas onde se questionam o sujeito, a identidade, a presença (antropológica), o género, o sexo, a raça, a unidade.
Mas, neste momento, voltemos atrás, a Aristóteles, e repeguemos no velho conceito de “personagem” como tento fazer, com outros objectivos (relação “personagem” – “actor”) no meu livrinho de divulgação O Que É Teatro. |