Ainda no primeiro ano de existência da referida revista simbolista, La Reveu Wagnérienne, Mallarmé publicará um artigo intitulado “Rêverie d’un poète français” em que se distancia não só da teoria wagneriana da Gesamtkunstwerk como das ideias românticas sobre o papel do mito no teatro. No seu artigo, Mallarmé sublinha que a maior contribuição de Wagner terá sido a capacidade de idealizar uma síntese entre artes tão distintas como o teatro das acções humanas e a música ideal (cf. Deak, p. 103). É aí que Mallarmé detecta a possibilidade de transformar o actor num signo artístico impessoal e universal, fazendo dele um elemento integrante daquilo que designa como “espectáculo ideal” (cit. In Deak, p. 103).
Volvidos dez anos sobre este ensaio de Mallarmé, em 1895, um músico suíço, Adolphe Appia (1862-1928), wagneriano da primeira hora, publica La mise en scène du drame wagnérien onde constata o abismo que separa a modernidade das composições de Wagner e as suas realizações cénicas em Bayreuth. Em 1899, dá à estampa La Musique et la Mise en Scène e, pouco depois, em 1903, assina finalmente a sua primeira encenação. Pouco depois, graças ao músico suíço Jacques-Dalcroze, Appia é iniciado nas experiências sobre “ginástica rítmica” (1906) e, nos vinte anos seguintes, dedicar-se-á a uma refundação da cena teatral por meio de uma definição do teatro como “arte dramática” e de uma concepção do espaço cénico – o espaço vazio – que, graças corpo vivo do Actor, se volveria num espaço vivo, mutável, transformável. O espectáculo teatral, ao contrário de uma síntese harmoniosa de artes como a que fora proposta por Wagner, uma será uma síntese de elementos: um espaço em potência (mutável) com uma luz também em potência, onde o Corpo vivo do Actor, portador do Texto e do Movimento, “é. . .o criador dessa arte [dramática] e detém o segredo das relações hierárquicas que unem os diversos factores. . . “ (cit. in Vasques, pp. 85-86).
Tal como Appia, também o actor inglês Edward Gordon Craig (1872-1966) procura essa cena teatral sintética, em que, como no soneto de Baudelaire, a natureza seria um templo feito de pilares vivos onde os actores oficiariam através de gestos simbólicos (cf. Vasques, pp. 93-94). Mas, naquele início de século (1904-1907), o corpo material e acidental do actor, movido pela emoção, veículo do caos, impediria, de acordo com o encenador, o teatro de ser uma arte. Craig propõe então uma saída: “O actor desaparecerá e em seu lugar veremos uma personagem inanimada que usará, se quereis, o nome de Übermarionette até que tenha conquistado um nome mais glorioso” (A Arte do Teatro, cit. in Vasques, p. 96). Ouçamos um excerto em francês que aproxima a visão do inglês Craig do universo utópico das “Correspondências”: “La marionette est la descendante dês antiqúes idoles de pierre des temples, elle est l’image dégénérée d’un Dieu. Amie de l’enfance, elle sait encore choisir et attirerses disciples” (cit in Dusigne, p. 78).
Num dos textos que compõem o seu livro mais importante, A Arte do Teatro (1911), intitulado justamente “O Actor e a Übermarionette”, Craig afirmará:
A arte do teatro não é nem a representação dos actores, nem a peça, nem a encenação, nem a dança; [a arte do teatro] é constituída pelos elementos que a compõem: pelo gesto, que é a alma da representação; pelas palavras, que são o corpo da peça; pelas linhas e pelas cores que são a própria existência do cenário; pelo ritmo, que é a essência da dança. (cit in Vasques, p. 97)
Appia e Craig abandonaram a encenação e, isolados, dedicaram-se ao estudo das suas visões. O teatro procurava-se na abstracção e no símbolo: “L’homme y passe à travers des forêts de symboles”. Mas seria necessário esperar pelo futuro e pelas tecnologias que, hoje, permitem a presença humana por via da não corporalidade do holograma ou a reinvenção do corpo, da voz e das acções dos humanos pela máquina para que estas utopias se pudessem entender e plenamente realizar.
A questão das “correspondências” mantém-se na ordem do dia da discussão estética.
Lisboa, 13 de Novembro de 2007 |