Chegaram a mesma hora à vila olímpica. Reconheceram-se prontamente para
captar de súbito a transformação de ambos. Na fotografia muda da
infância, que ele ainda guardava sob silêncio ultrapassado subitamente
por uma sensação esquisita e inominada, sempre habitou outra mulher em
outra cidade. Ele nascera para a vida. Ela para a glória. Mas se ela
antes extremava seu olhar para um novo futuro, para outra direção, que
não a da vida acanhada em si mesma, amesquinhada ao redor de marido,
filhos, lazer aos domingos com os sobrinhos e a sogra, vida acanalhada
sob certezas e ninharias, onde teria então ficado a pré-história da
atleta vencedora que outrora carregava no prazer de cada momento todo o
corpo e horizonte de que precisava? Não seria eu que a desceria da
glória. Fingi que não a reconheci. Em minha valise ainda hoje permanecem
os úmidos vapores da velha fotografia contra a lente rachada de meus
óculos. |
Marco Aqueiva, poeta, autor de Neste embrulho de nós (Scortecci, 2005), vencedor do III Prêmio Literário Livraria Asabeça, é professor de literaturas brasileira e portuguesa no ensino superior. É o idealizador, editor e administrador do Projeto Valise 2008 no endereço http://aqueiva.wordpress.com/ |