Era um daqueles dias em que o tempo parecia parado. Caía uma chuva fininha e pegajosa quando Sónia chegou ao café onde havia combinado encontrar-se com o João. Tirou o impermeável para ver se conseguia libertar-se da sensação de humidade. Sentou-se a uma mesa e ficou a olhar as pessoas que lá estavam. Pareciam conhecer-se todas, embora estivessem sentadas em mesas diferentes. É assim nos cafés de bairro.
Sónia tinha chegado demasiado cedo a esse encontro, que desejava e temia, simultaneamente. Essa solidão húmida, num café onde todos pareciam conhecer-se, acentuou a sua impressão de infelicidade. Já tinha vivido outros momentos assim, que lhe vieram à memória com mais força assim que os seus companheiros de café, já desinteressados da nova presença, voltaram a discutir a telenovela do dia anterior. Sem conseguir ler o livro para onde olhava, ficou a recordar os seus desencontros com o João. Aquele masoquismo em que mergulhou protegeu-a do tédio durante mais de uma hora. Depois reparou que era tarde. O João não tinha vindo.
Sónia foi-se embora do café debaixo da mesma chuva e da mesma tristeza. Embora desiludida pela ausência dele, começou a sentir alívio à medida que caminhava. Também a chuvinha foi sendo substituída por uma chuva mais forte, enquanto se libertava da depressão. Começou a correr, como se estivesse a fugir da chuva, ao mesmo tempo que recordava o que tinha sido a sua relação com o João. As esperas sem fim, a impressão constante de que ele tinha pouca vontade de estar consigo. A maneira como ele falava das outras mulheres da sua vida, a sensação de que era errado tudo o que fizesse para o conservar.
A água escorria-lhe pelo rosto, confundindo-se com as lágrimas, enquanto corria cada vez mais depressa. A chuva também cresceu de intensidade, lavando ruas e passeios, numa catarse semelhante à que acontecia dentro de si. Chegou ao trabalho encharcada mas com uma sensação de renovação, de que tinha sido capaz de romper. Foi definitivo. Não só rompeu com o João como nunca mais se envolveu numa relação desse tipo, em que o outro parece estar a fazer o favor de existir.
Romper à chuva é uma das melhores maneiras de o fazer. O ideal é uma chuva fininha que se vai transformando em forte, à medida que os sentimentos crescem de intensidade. |