Uma das poucas coisas que Sónia aprendeu com a mãe foi que as plantas, quando nascem tortas, raramente se endireitam. Era nisso que Sónia pensava, naquele dia em que veio passar o fim-de-semana a casa. Assim que entrou no jardim reparou na nova espécie de rosas do canteiro central. Eram de facto muito bonitas e Luísa ficou satisfeita que a filha as tivesse gabado. Era um sinal, pensava Luísa, de que, finalmente, a relação de ambas entrava no bom caminho.
Luísa tem o jardim mais bonito da terra. Todos os vizinhos o elogiam e lhe pedem conselhos de cultivo, que ela distribui generosamente. As plantas são para ela uma verdadeira paixão e a beleza do seu jardim é o retorno de uma dedicação com mais de vinte anos. No entanto, a sua filha Sónia, enquanto viveu em casa, não tinha sequer um olhar para as plantas. Agora, embora reconhecendo a arte e o engenho da mãe, custa-lhe pensar que o jardim é o único fruto de todos os seus sonhos, ambições e também frustrações. Às vezes justifica-a: “as plantas são bem mais simples do que as pessoas. Talvez não tão apaixonantes, mas a mãe nunca se pautou pela paixão. Deve até desconhecer o que é isso”.
Sónia, embora tenha passado do desprezo ao elogio no que toca ao jardim, lamenta que todos os outros capítulos da relação mãe – filha continuem vazios. A mãe nunca lhe perguntou, por exemplo, se ela se dava bem com o namorado. Mas se lhe tivesse perguntado e Sónia lhe tivesse contado, sabe qual seria o seu comentário: “uma planta que nasce torta raramente se endireita”. |