As contradições e as margens indecisas entre história e lenda, próprias aliás das sociedades secretas, que emitem ordens oralmente, pouco ou nada registando por escrito, dificultam a tarefa de integrar as diversas associações carbonárias neste Dicionário, tarefa aceite por termos algo de novo a acrescentar ao assunto. Em investigação no âmbito da História Natural, verificámos que vários naturalistas deixaram sinais maçónicos nos trabalhos científicos. Entre eles, alguns participam de uma argótica de jardineiros ou carbonários. Aparecem em textos que vão, pelo menos, desde as duas últimas décadas do século XVIII até meados do século XX, o que ultrapassa os limites temporais assinalados à actuação da Carbonária no nosso país. De resto, a Carbonária é uma sociedade no activo em vários países, extraordinário seria que estivesse extinta no nosso. Os jardineiros em questão eram jovens nascidos no Brasil que vieram estudar em Coimbra, na Faculdade de Filosofia (Filosofia Natural, hoje ciências), criada em 1772 pela reforma pombalina. Os futuros filósofos naturais, ou naturalistas, além da História Natural, faziam experiências nos laboratórios de Física e Química. Aqui foram iniciados, deduz-se que pelo seu mestre de História Natural e Química, Domingos Vandelli, um dos co-fundadores da Academia Real das Ciências e estimulador da criação de sociedades económicas (as vendas e lojas podem interpretar-se como tal).
Na sequência, os filósofos naturais difundiram as sociedades económicas nas colónias, quer por alguns se terem notabilizado como naturalistas-viajantes, quer por terem fomentado as rebeliões em favor da independência do Brasil. Podemos concluir que se tratava da Maçonaria Florestal, não só por serem jardineiros certos sinais que detectámos nos textos, como pelo facto de alguns naturalistas estarem implicados na Inconfidência Mineira e na Revolta dos Alfaiates (Bahia), levantes impulsionados pela maçonaria republicana, que nesta época era sobretudo a Carbonária. Outro claro indício de estarmos face à Maçonaria Florestal é dado pela circunstância de o naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva (mineralogista, foi professor de Metalurgia em Coimbra) ter instituído no Brasil o Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, uma loja carbonária, na qual o Imperador foi decorado com o grau de Arconte-Rei.
A ligação entre carbonários portugueses e brasileiros não se rompeu. Ainda hoje a Maçonaria Florestal Carbonária do Brasil se rege por um ritual da Carbonária Portuguesa. Valemo-nos de algumas informações constantes numa sua proclamação para caracterizarmos a ordem, no que tem de prático e realista:
[...] A Maçonaria Carbonária existe no Brasil desde cerca de 1800, por influência sobretudo francesa e portuguesa. Perseguida a partir da promulgação da bula condenatória do Papa Pio VII (1821), em todos os países onde funcionava e ativa estava, teve, como alguns de seus introdutores em nosso país, Joaquim do Lêdo e José Bonifácio de Andrada, simpatizante da Maçonaria Florestal se não ele próprio maçom e primeiro Grão Mestre da Maçonaria Brasileira, em que pese terem vivido em destacadas rivalidades, segundo alguns historiadores maçons da época. Contudo também foi vítima, tal qual a ordem da pedra, da excomunhão da Igreja Católica [...].
A Carbonária manteve-se até hoje como corpo maçônico regularmente constituído e representativo da Maçonaria Carbonária Universal, embora tenha permanecido por um longo período sob o manto de inúmeros maçons carbonários, oculta e operante nas Lojas e Obediências diversas; contudo, seu espírito, herança e brio, não se apagaram jamais. Existiram, claro está, cisões e divisões como por toda a parte e, em especial, as ocorridas dentro do Grande Oriente e Grandes Lojas, como também em outras tantas e sucessivas obediências, mas o seu espírito e esperança prevaleceram, sendo sempre possível restaurar a unidade interrompida. [...]
Para tanto, os princípios essenciais defendidos hoje pela Grande Loja Carbonária do Brasil, para a existência de uma Loja justa e perfeita, podem resumir-se nos sete pontos seguintes:
1. que seja formada por, pelo menos, 7 mestres maçons;
2. que seja dirigida por 3, iluminada por 5 e tornada justa e perfeita por 7;
3. que trabalhe segundo um ritual que utilize os símbolos da construção;
4. que tenha as suas sessões num local fechado e coberto onde se encontrem as colunas J e B, as três grandes luzes entre as quais o esquadro, o compasso, e o canivete, instrumentos do grau e o pavimento em mosaico;
5. que pratique os graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre;
6. que a iniciação no grau de Aprendiz, a efetuar sob o sinal do triângulo, compreenda a câmara de reflexões, as provas e a passagem das trevas à luz; que a elevação ao grau de Companheiro Fendedor tenha lugar à luz da estrela flamejante; que a exaltação ao grau de Mestre inclua a comunicação da lenda de Hiram; que a cada grau corresponda um compromisso solene;
7. que se considere maçom carbonário todo aquele que tenha sido formalmente iniciado numa loja maçônica justa e perfeita; [...]
20. que a terceira das três grandes luzes indicadas no ponto 4 dos princípios essenciais seja o Livro da Lei, representado pela Bíblia Sagrada;
21. que todos os maçons carbonários sejam iguais dentro da loja (Venda) onde trabalham, independentemente das suas diferenças na sociedade pagã;
22. que os conhecimentos adquiridos por iniciação nos vários graus sejam mantidos secretos e só comunicados a outros irmãos;
23. que se aceitem os ensinamentos simbólicos da Maçonaria em geral como ciência especulativa com profundo objetivo moral.
Assim, a Grande Loja Carbonária do Brasil atém-se na sua quase totalidade aos 25 landmarks tradicionais da lista compilada pelo maçom norte-americano Albert G. Mackey, pondo apenas restrições aos nºs 1 (processos de reconhecimento), 18 (só no que respeita à proscrição absoluta das mulheres). Quanto ao 25º e último landmark (inalterabilidade dos próprios landmarks), considera-o um absurdo histórico e filosófico de raiz dogmática, já que a mudança dos tempos tudo obriga a rever, corrigir e alterar.
3. A Grande Loja Carbonária do Brasil conta hoje com lojas (Vendas) e triângulos (Choças), distribuídas e em organização por grande parte do território brasileiro.
Todas as Lojas (Vendas) da G.'.L.'.C.'.B.'. trabalham presentemente no Rito Florestal baseado nos de 1807, 1818 e 1822, então praticados em Itália, França, Portugal e Brasil, mas nada impede que outros ritos possam vir a ser introduzidos se as Lojas assim o entenderem.
4. A Grande Loja Carbonária do Brasil rege-se pela Constituição de 1984, explicitada por um Regulamento Geral.
À frente da Grande Loja Carbonária do Brasil, encontra-se o Grão Mestre Geral, eleito por um período de três anos por sufrágio direto dos IIr.'. decorados com o grau de Mestre. Substituem-no nos seus impedimentos e coadjuvam-no um Grão-Mestre Adjunto e o Grande Orador, eleitos por igual período de tempo e pela mesma forma. Completa o executivo um Conselho da Ordem de membros eleitos no triênio formados também pelos Past Masters, formando assim a Alta Venda Carbonária. Este conselho reúne-se periodicamente e trata de todos os assuntos de caráter administrativo e executivo.
Com poderes sobretudo legislativos, existe portanto a Alta Venda, constituída pelos Veneráveis e todas as lojas (Vendas), e por representantes de cada loja (Venda), eleitos anualmente por todos os IIr.'. que a compõem.
A Justiça Carbonária é exercida, em primeira instância, dentro das próprias lojas (Vendas). Em segunda instância, funciona um Grande Tribunal, composto por cinco juízes, eleitos pela Alta Venda Carbonária.
5. A sede da Grande Loja Carbonária do Brasil é em Curitiba, Estado do Paraná, no chamado Castelo dos Carvoeiros da Floresta Negra, localizado na Rua dos Carbonários, s/n. Bairro São Pedro (próximo à ponte do Rio Passaúna – Divisa de Campo Magro. Trata-se de uma Venda Carbonária que funciona nos moldes da Carbonária Antiga, em meio a uma Floresta [...]
6. O Rito Florestal Carbonário foi introduzido em Portugal pela França e Itália, antes mesmo de 1800, sendo sabido que José Bonifácio de Andrada, Joaquim do Lêdo, Alm. Tamandaré e tantos outros, iniciaram-se na Maçonaria Florestal como o faziam os cientistas e naturalistas da época. Não dispõe de um Supremo Conselho do Grau 33, todavia, com ajuda de vários Maçons investidos no Gr.'. 33, hoje Bons Primos, preparam a sua introdução nos estudos dos graus filosóficos do 4. ao 33 do REAA, adaptado.
É certo e tradicional o ramo andrógino da Carbonária, composto de um corpo feminino, totalmente subordinado à A.'.V.'.C.'.B.'., todavia, de atividade livre e independente, praticando o mesmo Rito Florestal, a exemplo da R.'.V.'.M.'.C.'.F.'. Anita Garibaldi, nº 3 na Floresta de Curitiba-Pr. [...]
A abolição da escravatura no Brasil teve a indeclinável e decidida participação das Lojas Maçônicas Carbonárias do passado, inclusive a ativa participação da Carbonária Italiana e Portuguesa na luta pela independência do Rio Grande do Sul, contra o despotismo e monarquia feudal experimentada pelo Brasil, nos idos de 1835 a 1845, já que Dom Pedro II não era Maçom Carbonário, como o foi Dom Pedro I. [...]
Dado e traçado em algum lugar do Templo de Jerusalém, aos três Sóis, da Quinta Lua, do ano da Graça de N.'. B.'.Pr.'. Jesus Cristo, de 2004 e sob os auspícios de N.'.P.'. São Teobaldo - E.'.C.'. na Gr.'. Flor.'. da Maç.'. Flor.'. Brasileira.
Saúde e Fraternidade!
Vantagem! Vantagem!! Vantagem!!!
Triplo Abbraccio.'.
B.'.Pr.'.Walmir Battu, M.'.M.'.C.'.I.'.,
Grão Mestre Geral da G.'.L.'.C.'.B.'. [...]
Remonta então à abertura do curso de História Natural e Química, na Universidade Reformada, a relação entre a Maçonaria Florestal metropolitana e a brasileira. Uma vez expulsos os jesuítas de Portugal, para constituir o corpo docente, o Marquês de Pombal recorreu a mestres estrangeiros, maioritariamente oriundos de uma Itália cuja unificação seria obra da Carbonária, no século seguinte, e com a contribuição de um homem que faria história também no Brasil, Giuseppe Garibaldi, ali casado com a “Heroína dos Dois Mundos”, Anita Garibaldi, de ascendência portuguesa.
O mestre que mais influência exerceu nos destinos de Portugal e Brasil, Domingos Vandelli (1735-1816), veio em 1764 da Universidade de Pádua. O simples facto de ter vivido uma longa vida já é relevante, visto que nunca esteve inactivo e participou em vários sectores da liderança portuguesa. Como deputado da Junta do Comércio, e como conselheiro do regente, entre outros cargos, influiu directamente na indústria, comércio e governo de Portugal. Já idoso, foi apanhado pela Setembrizada, acção que visou decapitar a maçonaria, na sequência da libertação de Portugal das tropas de Napoleão. Desterrado nos Açores, daí passou ao exílio em Inglaterra. Regressou com a paz geral, merecendo espanto a circunstância de nem o desterro nem os mais de oitenta anos de idade (circulam várias datas de nascimento e morte, o que é típico na biografia de iniciados, algumas das quais, como as indicadas por Oliveira Marques, acrescentam ainda mais anos de vida à que já nos parece longa) terem impedido D. João VI de o manter ao seu serviço, como demonstra o parecer sobre a Limpeza da cidade (ver bibliografia).
O Laboratório de Química, dirigido por Vandelli, foi espaço de reuniões maçónicas, entre cujas consequências se conta a ida de um grupo de alunos, envergando o sambenito, à presença do Tribunal do Santo Ofício. Pelo Laboratório de Química, no qual se confeccionaram os primeiros balões, passou grande parte da élite implicada na independência do Brasil e levantes que a prepararam. Além de José Bonifácio, mencionamos José Álvares Maciel, um dos fabricantes de aeróstatos, ideólogo do Tiradentes e seu iniciador numa Maçonaria que só podia ser a Florestal, já que era republicana a ideologia subjacente à Inconfidência Mineira; e João da Silva Feijó (1760-1824), em cuja obra coligimos sinais jardineiros, como se vê na imagem, frontispício do manuscrito em que apresenta a mais remota descrição científica que se conhece de uma erupção na ilha do Fogo (Cabo Verde). Além das flores, redundância do termo flosófico (sabedoria das flores) do título, é interessante ver como, no grafismo, o nome do ministro da Marinha e Ultramar, sob cuja alçada caíam as viagens filosóficas, Martinho de Mello e Castro, fica no interior de um frontão maçónico. Certos historiadores, como Loja, aludem a uma possível iniciação do ministro. Esta ilustração parece confirmá-la, num ramo jardineiro da Maçonaria Florestal. |