venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006 |
MAÇONARIA FLORESTAL CARBONÁRIA |
Entre História e Mito Artigo destinado ao "Dicionário Histórico das Ordens e Congregações em Portugal", a publicar em parceria com o Instituto São Tomás de Aquino, a revista Brotéria e a Campo das Letras Editora. |
Argótica |
O aprendizado carbonário é gradual. Cada etapa desenvolve-se em Câmara própria, com os seus respectivos graus. As Vendas Simbólicas concedem os 3 primeiros graus, segundo o Rito Florestal ou Carbonário. O 1º grau é o de Aprendiz Carbonário. Neste primeiro contacto com a simbologia maçónica, o aprendiz toma conhecimento das funções de cada um no templo (Venda), e trata de se aperfeiçoar, desenvolvendo as virtudes e eliminando os vícios. O 2º grau, de Companheiro Fendedor, propicia ao carbonário melhor conhecimento dos símbolos, avanços ritualísticos e desenvolvimento do seu carácter. O 3º grau, de Mestre Carbonário, é o chamado grau da plenitude carbonária. No âmbito do Simbolismo, é o grau mais alto, que permite ocupar quaisquer cargos. O Mestre Carbonário tem conhecimentos elevados da história e objectivos da Maçonaria Florestal. A mais típica iniciação não se realiza na venda, sim ao ar livre, de noite, em plena floresta. Os participantes, vestidos de balandrau, com orifícios para os olhos no capuz, devem criar um ambiente de terror no qual o traço de carácter fundamental no futuro carbonário possa sobressair: a coragem. Um dos lugares mais referidos para iniciações, nos tempos imediatamente anteriores à República, é o Jardim de S. Pedro de Alcântara, em Lisboa, que no tabuleiro superior quase só tem árvores, sendo assim uma boa simulação de floresta. Outro local arborizado, algo mais atemorizador, que também se refere para a iniciação, é o Cemitério dos Prazeres. Mais práticos e seguros, no entanto, seriam os centros republicanos, as caves, oficinas, casas desabitadas e armazéns mencionados por Luz de Almeida para reuniões. Em muitos casos, os ornamentos simbólicos eram apenas a capa negra de estudante, aberta na parede sob uma máscara, ou a cobrir o altar. Do ritual faz parte o juramento, que varia consoante a época, as necessidades políticas e as organizações, quer no modo como é feito (podia ser com sangue), quer quanto ao conteúdo. Num antigo rito florestal, o recipiendário era obrigado a jurar "pelo pão e pelo vinho da hospitalidade" que não trairia o segredo dos dignos Primos Rachadores, que não sabotaria o seu trabalho, que não tomaria a sua mulher, a menos que ela o pedisse três vezes, que os defenderia e ajudaria, e que traria os perdidos para o bom caminho e lhes daria hospedagem. Os castigos aos que não cumprem o juramento também varia, podendo ir até à pena de morte. Caso alguém não cumprisse o juramento, eis a pena invocada, no referido ritual da Ordem dos Rachadores: "que todos os machados do canteiro sirvam para lhe cortar a cabeça, e que seja exposto no extremo da floresta e devorado pelos animais ferozes". As candidatas juravam, pelos símbolos da pureza, na presença do Mestre e dos dignos Primos do canteiro, não trair o segredo, sob pena de serem encharcadas, esfregadas e torcidas como um monte de roupa suja, deitadas na celha da Tia Catault, e expostas durante quarenta dias no meio da floresta, para aí viverem de bolotas como os javalis, e finalmente serem devoradas pelos animais ferozes, como escreve Lepper. Os rituais da Maçonaria Florestal fundam-se no trabalho de construção dos lenhadores, jardineiros, carvoeiros e outros operários cuja matéria-prima é a madeira, a lenha, as plantas ou o carvão. A simbólica assenta assim no campo semântico do Reino das Plantas, em três vectores principais: o da Floresta (região administrada por uma alta venda), representa a natureza bruta, que cumpre ao jardineiro orientar no aperfeiçoamento, para que se transforme em jardim; a do jardim (loja, célula-base na Sociedade dos Jardineiros, em que 3 jardineiros podiam constituir um jardim económico), e esta corresponde com maior evidência à argótica da Sociedade Keporática (de kêpourós, jardineiro, em grego), na qual anthos (flor) era palavra de passe no 3º grau; e a das ferramentas de trabalho. Assim, além da frondosa árvore, à sombra da qual decorrem os trabalhos no Templo, aparecem vocábulos como raiz (ofício, carta, peça de oratória), tronco (recolha de provas de solidariedade, mealheiro), canteiro (lugar de reunião) e instrumentos usados no seu ofício pelos jardineiros, carvoeiros, lenhadores, rachadores e carpinteiros - machado, cunha, tesouras, enxada, foice, régua, esquadro, compasso, etc.. São no entanto as armas usadas pelos habitantes da floresta os símbolos mais importantes: o punhal e a navalha - navalha de enxertia, como era o símbolo nas sociedades de jardineiros. |
A navalha de enxertia (também designada por canivete), símbolo das profissões ligadas à floresta, num emblema actual, à esquerda. À direita, o emblema maçónico com a mesma navalha de enxertia, na fachada do bar Gardeners Arms, pertencente à Fraternidade de Jardineiros-Livres de Haddington (in Cooper) |
Tratam-se por tu os Bons Primos, adoptando nomes simbólicos de heróis carbonários ou de árvores: Bom Primo Giuseppe Garibaldi, Bom Primo Carvalho, Bom Primo Olmo. As designações homólogas da loja remetem para construções de madeira: barraca, choça e cabana. A Maçonaria Florestal usou várias cifras numéricas, e códigos como o de OGAM. É provável que também dispusesse de escrita e de alfabeto diferente do da Maçonaria da Pedra. Actualmente usa a tripontuação, mas em rituais antigos da Maçonaria Florestal francesa deparamos com a bi- e a quadripontuação. O triângulo específico pousava o vértice em baixo: Carb'.' Portuguesa. Actualmente, a tripontuação carbonária é a da Maçonaria da Pedra, quem usa os três pontos com vértice em baixo é a Fraternidade Rosa-Cruz. Dadas as dificuldades de quem usa computador para escrever estas pontuações ou para as transcrever na Internet, muitos reduziram o triângulo à linha recta, confundindo-se assim o código secreto com sinal de reticências. Nos textos da Sociedade Keporática verifica-se a presença de sinalética especial, como o ponto no interior do círculo, para designar o jardim, e os três pontos em sobre-escrito, alinhados em linha recta, e entre parêntesis, para indicar o jardineiro. Algo muito curioso também na escrita da Sociedade Keporática é a coexistência de redondo e itálico na mesma palavra. Os Bons Primos dão-se a conhecer por meio de toques, sinais e palavras de passe, e outrora por cumprimentos especiais com o chapéu. Os Rachadores e os Carvoeiros usam uma folha de carvalho na lapela. Os mestres, cintos com as cores do seu grau em aspa, e punhal. Os mestres sublimes usavam, além do cinto, colar de moiré com as cores carbonárias do último grau, tendo pendente um pedaço de carvão cortado em aspa. O símbolo solar com 32 raios é distintivo superior da Ordem, sendo unicamente usado pelo Grão-Mestre nas sessões magnas. A estrela de cinco pontas representa o Bom Primo. Entre outras insígnias, havia o selo carbonário, em que a deusa da Liberdade tinha um dragão aos pés com a legenda Aniquilador do despotismo . Finalmente, tudo o que se escreveu permanece entre História e Mito, pois aos carbonários só é permitido divulgar da Ordem a que pertencem, ou o que é público, ou o que já não se usa. |