A «personagem intermédia » (1) é a instância central, problemática, do sistema ou da metodologia que João Brites vem estudando e testando com os seus actores e sobretudo com os seus alunos de Formação de Actores do Departamento de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema (antigo Conservatório).
Esta instância de criação, “generalista” nas suas intenções de construção de um “saber fazer” esteticamente universalizante (ao contrário do que defende Eugénio Barba, que reconhece o trabalho sobre a «pré-expressividade» como “o trabalho por meio do qual o ator incorpora o modo de pensar e as regras do gênero de teatro ao qual escolheu pertencer” (2), visa mobilizar os actores e os futuros actores para a consciência activa do “estar em cena em relação” com o espectador e, para além disso, para o estar consciente de si – desenvolvendo a consciência de “presença” -- no processo designado habitualmente por «construção da personagem» (3). O actor é convidado, num work in progress sistematicamente orientado, a desenvolver (quando é possível) a sua “memória artística de actor”, memória “do estar em cena” e, depois, a construir figuras de ficção cénica com várias camadas de «existência» (por meio de um exercício do plano da “interioridade”, a consciência dramatúrgica, talvez a “linha de força” de que falava Stanislavski), sendo a primeira de todas, então, a voluntariamente ambígua «personagem intermédia», provavelmente a única “personagem” com existência psicológica (a do actor/actriz) em todo este processo e criação.
Paralelamente, a conceptualização tentativa de «personagens intermédias» consciencializaria, igualmente, o actor, no seu processo de criação, de que, ainda que não psicologicamente ou emocionalmente (ou não sobretudo), é possível construir camadas de sentido desconcentradas (quase cubistas) ou sobrepostas lembrando, sem dúvida, o formalismo construtivista do nunca demais citado Meyerhold.
Esta concepção de organização do trabalho de criação do actor inspira-se, assumidamente, na noção de «pré-expressividade» recuperada, por Eugenio Barba, de autores (Stanislavski, Meyerhold, Decroux e Grotowski) e disciplinas (dança, teatros orientais) muito diversos, o qual, no seu estudo A Canoa de Papel (1993), defende que, para “um ator, trabalhar em nível pré-expressivo significa modelar a qualidade da própria existência cénica” e que a “eficácia do nível pré-expressivo de um ator é a medida da sua autonomia como indivíduo e como artista.” (4).
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