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JOÃO RASTEIRO

CORSINO FORTES e JOÃO CABRAL de MELO NETO
ou OS ARTÍFICES da PALAVRA

INDEX

Introdução
Corsino Fortes: poesia da identidade
A ilha: recriação de Cabo Verde na recriação da palavra
O “Pedreiro da palavra”
João Cabral: poesia da busca
O Sertão: poesia escrita na pedra
O “O engenheiro da palavra”
Semelhanças e diferenças no fazer poético
Conclusão
Notas
Bibliografia

ANTOLOGIA “OS ARTÍFICES DA PALAVRA”
Corsino Fortes
João Cabral de Melo Neto

Introdução

Poesia (do gr. Poíesis, criação), derivando do verbo "poiéô", que significa fazer, criar, compor, este termo releva o âmbito original da função poética enquanto artefacto demiúrgico, isto é, associado ao mito genesíaco ou da criação do mundo. Já Jorge Luís Borges afirma, "É a palavra que renasce. E a palavra há-de renascer sempre. Será sempre uma descoberta. Sempre estará ligada à paixão do homem". A poesia, e a arte em geral, deverá corresponder ao apelo profético de defensora das grandes causas da "Humanidade", arrastando, embora as consequências fatídicas de uma maldição de Deuses e homens. È a vocação de uma poética da condição humana, mas necessariamente numa dialéctica e/ou confronto da poesia e de ideologia. A poesia como acto de "fazer". ( 1)"A consciência de que usamos como material as palavras da tribo e a certeza de que o nosso trabalho poético - que entendemos como trabalho de reinvenção - só faz sentido no seio da comunidade mais vasta(...). O poema e/ou a poesia surge, assim, ditado pelas vozes que enchem a nossa experiência pessoal: as vozes de toda a evolução do universo em cujo movimento participamos, as vozes de toda a tradição literária de que fazemos parte (mesmo pelas vozes que aí rejeitamos) - mas também, pelas vozes que fazem a insignificância (tão significativa) do nosso quotidiano(...)". Como diria o poeta Norte-Americano, Charles Bernstein, cada vez mais a função da poesia, deverá ser, "uma tomada de posição, em função do acto de abrir fendas". É essa tomada de posição, que encontramos na poesia e obra de Corsino Fortes e João Cabral de Melo Neto, inequivocamente dois dos maiores poetas da língua portuguesa do século XX.

Corsino Fortes produziu uma obra poética considerada inovadora e de valor absolutamente singular, considerando a trajectória cultural e literária de Cabo Verde e mesmo da cultura e literaturas Africanas). É uma poesia de inovação estética no plano da forma da expressão, que impõe novos paradigmas ideológico-temáticos, na forma do conteúdo, apesar da sua obra acabar por ser, todo o projecto de independência do povo de Cabo Verde, e em que "Pão & Fonema" representa de facto, os símbolos daquilo que é a fome e a sobrevivência, daquilo que é a realidade da Ilha, durante séculos, e por outro lado a exigência da liberdade, dignidade humana, cultura e essencialmente, a exigência da "palavra". É através desta poesia, uma poesia cerebral, planeada (mesmo se elaborada em grande parte, através das formas plurais da oralidade), construtivista - criação conceptual - podendo por isso parecer uma poesia fria e mecânica, como alguém que trabalha a pedra, uma espécie de "pedreiro da palavra", que Corsino Fortes nos oferece uma materialização poética, ao nível da melhor poesia produzida em língua portuguesa, nas últimas décadas.

João Cabral de Melo Neto, um dos poetas que com Cesário Verde mais influenciou Corsino Fortes (palavras do próprio Corsino), é hoje, não só um caso particular na evolução da poesia brasileira moderna, como um dos maiores poetas de língua portuguesa. Possuindo uma poesia que se caracteriza pela objectividade na constatação e apreensão da realidade (em alguns casos expressa uma certa tendência pelo surrealismo), apresenta ao longo da sua imensa obra (essencialmente poética), uma extraordinária preocupação com a estética e com a arquitectura da poesia, elaborando e construindo palavra sobre palavra, como o engenheiro que determina de forma exacta e absoluta o "local da pedra". Logo, num rigoroso trabalho de linguagem, a "dura" poesia feita de "pedra", inspirando-se na aridez geográfica e humana (tal como Corsino Fortes) do seu Sertão. Poesia de um lirismo às avessas, em permanente questionamento da arte e da própria poesia. A poesia de João Cabral de Melo Neto representa a maturidade das conquistas estéticas mais radicais do século XX, nesse processo auto-explicativo, onde a sua temática principal é a reflexão do fazer poético e da arte em geral. Um conhecer e um conhecer-se permanente, perante a dialéctica do mundo.

É esta analise, ao nível das semelhanças e diferenças no fazer literário, que se procurará mostrar, entre Corsino Fortes e João Cabral de Melo Neto, como já referi, duas das vozes, que serão "vozes", da poesia e literatura em língua portuguesa, que ficarão como expoente de objectivação, mas sobretudo, o reflexo profundo de toda uma vivência.
 
Corsino Fortes .............J.C. de Melo Neto....