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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
& IVO MIGUEL BARROSO

TODESFUGE , DE PAUL CELAN*

ÍNDICE

1. Paul Pessach Antschel

2. Todesfuge

3. Tradução

4. PAUL CELAN — o coração em cinza

Campo de concentração

4.6 O poema oscila

4. PAUL CELAN — o coração em cinza

4.1 O poema “Todesfuge” (1) é datado por Paul CELAN de 1945 (ano em que findou a II Guerra).

O escrito é emblemático do período histórico vivido, sendo a voz do genocídio nazi, e um dos que mais celebrizou PAUL CELAN (facto que lhe desagradou) (2). (THEODOR W. ADORNO escreveu a frase controversa: “Depois de Auschwitz, seria bárbaro escrever poesia.”; diversamente, PAUL CELAN considerava que, depois de Auschwitz, a lírica seria possível, ainda que não esconda a realidade amarga: “Conta aquilo que era amargo e te magoa.”). O poema realiza-se numa coabitação impiedosa com a realidade do Holocausto, excluindo um verdadeiro embelezamento ou um branqueamento dos acontecimentos. PAUL CELAN escreve “Todesfuge” em nome da vítima (3).

4.2 PAUL CELAN inicialmente intitulou o poema com o título “Tango da Morte” (traduzido para romeno com o título “Tangoul mortii”), nome dado a um tango composto por uma orquestra do campo de concentração às ordens de um tenente das SS. HITLER rejeitara o “jazz” como uma música decadente, aprovando, contudo, o tango (4).

A musicalidade é cínica, expressando o genocídio ocorrido nos campos de concentração.

A composição do termo que intitula o poema sugere, segundo a indicação de PAUL CELAN, uma espécie de género musical fúnebre.

De acordo com a fuga, as vozes desta apresentam, por entradas sucessivas, um motivo melódico denominado «tema». Com efeito, adaptando a “Todesfuge”, a primeira voz, os judeus (versos 1 a 4 do poema), apresenta o tema, que se faz seguir de um contratema, a segunda voz, o homem na casa (versos 5 a 10), que constitui, simultaneamente, a sua réplica e o seu complemento.

Em termos musicais, logo que todas as vozes apresentam, cada uma por sua vez o tema, a exposição está concluída.

Inicia-se, então, uma segunda secção; o primeiro desenvolvimento (versos 11 a 19) é uma exploração mais livre do tema. O segundo desenvolvimento (versos 20 a 28) conduz até ao terceiro episódio, o Stretto («fechado») (versos 29 a 36), breve peroração que encadeia as entradas próximas até ao acorde final, a coda (versos 37 e 38) (5).

4.3 O oxímoro “leite negro” foi utilizada originalmente utilizado pela escritora ROSE SCHERZER-AUSL Ä NDER, num poema intitulado “Ins Leben” (6), em 1925; CELAN teve um encontro com esta poeta em 1939; após a libertação da Roménia, em 1944, A USL Ä NDER presidia a um círculo literário de língua alemã, de que CELAN era também frequentador; CELAN cedo pediu “emprestada” a expressão a AUSL Ä NDER (7-8-9).

A cor do leite é, normalmente, branca; é, por isso, o símbolo da vida; “Leite negro da madrugada”(10) o negro é a não-cor, a destruição, a negação do substantivo “leite” (11); expressão de um sentimento da morte, representa a falta completa de esperança. A letra da expressão contraria o ditado judaico de que, após um mal, a pessoa se poderia banhar no “leite branco da madrugada”(12-13), simbolizando a renovação pura de um ciclo novo. Diversamente, “leite negro da madrugada” indica o extermínio e a frieza presente as execuções. Os judeus à noite não sabem que irão ser torturados ou executados na manhã seguinte, seguindo um plano pormenorizadamente pensado (14).

4.4 A repetição fundamental do poema “wir trinken und trinken” sugere a continuidade, consubstanciando a compulsão para beber.

O jogo do tempo é dado pelas expressões “morgens”, “mittags”, “abends” e “nachts”, que aparecem quatro vezes, sempre juntos (enunciados logo de início (versos 1-2) e repetidos adiante).

A expressão começa três vezes com “nachts”. Só na segunda estrofe o dia aparece por ordem cronológica, sequencial; a não ocorrência desta sucessão transmite a ideia de totalidade, ou seja, de a angústia se prolongar ininterruptamente ao longo de todo o dia, denotando o ritmo hetero-imposto nos campos de concentração.

4.5 A leitura atormentada que PAUL CELAN faz do seu poema demonstra que o diálogo é entre a vítima e o carrasco.

A relação entre alemães e judeus no campo de concentração pode ser esquematizada do modo que se refere de seguida (15).

 

(1) Sobre o poema “Todesfuge”, v. JOÃO BARRENTO, Paul Celan: o Verbo e a Morte in Sete Rosas Mais Tarde. Antologia Poética, Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno, edição bilingue, 2.ª ed., Cotovia, Lisboa, 1996; Y. K. CENTENO, Paul Celan: o Sentido e o Tempo in Sete Rosas Mais Tarde. Antologia Poética, Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno, edição bilingue, 2.ª ed., Cotovia, Lisboa, 1996; JOHN FELSTINER, Paul Celan. Eine Biographie, (trad. alemã de Holger Fliessbach da obra Paul Celan: Poet, Survivor, Jew, New Haven, 1996), Verlag C.H. Beck, Munique, 1997, pgs. 48-69; ERIC HORN, Scharze Milch der Frühe; LEO KOCH, Unterrichtseinheit zu Paul Celan: »Todesfuge« für den DaF-Unterricht (fonte. Internet); PETER VON MATT, Comentário ao poema “Todesfuge”, de Paul Celan, in 1000 Deutsche Gedichte und ihre Interpretationen, Marcel Reich-Ranicki, Insel Verlag, Achter Band, pgs. 378-380; RICCARDO MORELLO, “Paul Celan: Todesfuge” (fonte: Internet); ENZO TRAVERSO, Paul Celan et la poésie de la destruction (www.anti-ver.org/textes/Traverso97a6/body.html) (v. sites da Internet, nomeadamente www.celan-projekt.de/verweis-milch.html; www2.vol.at/borschoren/1h/1h5.htm;
www.raffiniert.ch/scelan.html, www.copernico.bo.it/subwww/webmetodes/filehtml/tradtod.html).

(2) Segundo informação de JOHN FELSTINER, existem mais de quinze traduções diversas deste poema, em língua inglesa.

(3) O sentimento de culpa pendeu usualmente sobre os sobreviventes do Holocausto (RICCARDO MORELLO, Paul Celan..., pg. 4).

(4) A música da orquestra do campo foi gravada.

(5) Fonte: www.copernico.bo.it/subwww/webtodes/filehtml/la_fuga.html.

(6) “Nur aus der Trauer Mutterinnigkeit

strömt mir das Vollmäß des Erlebens ein.

Sie spiest mich eine lange, trübe Zeit

mit schwarzer Milch und schwerem Wermutwein. ” (apud www.celan-projekt.de/verweis-milch.html, projecto dirigido por ERIC HORN).

(7) PAUL CELAN havia utilizado a expressão “Flocos negros” (“Schwarze Flocken”) como título de um escrito, aquando da perda dos pais.

(8) Uma outra interpretação é a de que o poeta ALFRED MARGUL-SPERBER, também frequentador do círculo literário de AUSLÄNDER, conhecido de PAUL CELAN, no poema “Ferner Gast” utiliza a metáfora, relativa à sua mãe:

Ihre Augen, unaussprechlich lind, / Sehn mich an mit fernem Sternenblinken; / Und sie flüstert: Willst du nicht, mein Kind, / Von der dunklen Milch des Friedes trinken?”.

(9) Cfr. também o “livro da consolação”, inserido nos capítulos 30 a 33 de Jeremias, na Bíblia («(...) Porque choras sobre a tua ferida? A tua chaga é incurável.” (Jeremias, 30:15)).

Nas Lamentações, refere-se: “Quiseram exterminar-me como a um pássaro / aqueles que me odeiam sem razão. / Quiseram exterminar-me no fosso, lançando pedras sobre mim.” (Lamentações, 3: 52-53).

(10) A expressão “sol negro” foi utilizada por WILLIAM BLAKE e por HERBERTO HELDER.

(11) RICCARDO MORELLO, Paul Celan..., pg. 4.

(12) www.celan-projekt.de/verweis-milch.html, dirigido por ERIC HORN.

(13) Cfr. também o passo da Terceira Lamentação, da Bíblia:

Zain: (...) / Ao pensar nisto, sem cessar, / a minha alma desfalece. / Isto, porém, guardo no meu coração; / por isso, mantenho a esperança. // Het: É que a misericórdia do Senhor não acaba, / não se esgota a sua compaixão. / Cada manhã ela se renova; / é grande a tua fidelidade.” (Lamentações, 3: 20-23 (sublinhado nosso)).

(14) NELLY SACHS refere: “JÁ HOJE exercitamos a morte de amanhã” (in Poemas de Nelly Sachs, Antologia, versão portuguesa e tradução de Paulo Quintela, Portugália, Lisboa, 1967, pg. 95.

(15) Fonte: www2.vol.at/borgschoren/1h/1h5.htm.