EVOÉ |
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INDEX INSCRIÇÃO GRAVADA NO COBRE |
EVOÉ - INVESTIGAÇÃO |
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Arquivo Público da Bahia, em São Salvador |
Rio de Janeiro - Biblioteca Nacional - o desastre
Cortados subsídios, acções culturais, dispensados funcionários em nome da dívida interna, na sala de leitura da Biblioteca Nacional, uma dúzia de pessoas aguardava Godot, o tal que não está aqui, foi dar uma curva e não há meio de vir.
Fiz duas requisições, uma de livro e outra de revista, ambas recusadas: não havia funcionários nos andares onde estavam as obras, que as pudessem ir buscar. Apreciei longamente aquele belo edificio onde se conserva a biblioteca de D. João VI, bem abastecida no que toca à ciência do século XVIII, disse adeus a Godot e não voltei. O que eu queria era sobretudo a tradução da obra de Spix & Martius, Viagem ao Brasil, nas páginas em que os autores falam do bloco. Quando, mais tarde, em S. Salvador, Wilton Carvalho, caçador de meteoritos, me deu uma tradução, não reparei que o tradutor suprimira exactamente aquilo de que eu precisava: as linhas de texto onde parece que os alemães dizem que ulteriormente (ao artigo de 1797), Vandelli se deu conta de o cobre ter mistura de ferro, tal como assinalava na inscrição. A ser correcta a leitura, o que os autores estão a fazer é o seguinte: desvalorizam a data da inscrição -1782; estabelecem como fonte primeira de informação sobre o bloco o artigo de Vandelli de 1797, ignorando o de 1789 (a memória de 1782, transcrita adiante, só foi publicada, e em parte, em 1914) e insinuam assim que a inscrição é ulterior a 1797. A estar errada esta aparente adivinhação de um texto em língua que não conheço, isso é o que faz Calógeras, ao insinuar que o que veio para Portugal foi um bloco de 1666 arrates, enviado pelo Juiz de Fora, Manuel da Silva Pereira, em 1797 ou 99. 1ª consequência: a inscrição é um epitáfio, em que da família real já só sobrevive, em 1799, D. Maria, que está louca. 2ª consequência: os manuscritos do século XVIII sobre o bloco de cobre são falsos.
Voltando a Spix & Martius, eis parte da passagem que precisa de ser traduzida:
"Folgende Inschrift zeigte, dass eine spãtere Untersuchung, als die des Hrn. Vandelli, Eisen in der Mischung' aufgefunden habe: Maria I. et Petro III. Imperantibus, cuprum nativum minerae ferri mixtum ponderis libr. MMDCXVl in Bahiensi Praefectura prope oppidum Cachoeira detectum et in Principis Museo P. MDCCLXXXII". Texto em aparência muito dificil, uma vez que o tradutor contactado por Isabel Cruz não conseguiu traduzir tal frase, por isso mandou-a para a Alemanha. Aguardamos novidades (1). Nas fotocópias da tradução dadas por Wilton Carvalho, foi suprimida não só a frase alemã mas também a inscrição latina, com apenas sete erros, sem contar com os pontinhos da primeira linha da inscrição, sendo que um dos erros declara a morte de D. José - era ele o Príncipe do Brasil. Apenas sete erros, nada de comparável ao total semanticídio de Eschwege. Foi o bastante, porém, para o tradutor recuar e o susto o ter feito incorrer em pior emenda que o soneto, pois sonegou o que nada autoriza ninguém a censurar (2). Rio de Janeiro - Departamento Nacional de Produções Minerais (DNPM) Telefono a Francisco Lapido, contacto de Fernando Barriga, que se propõe levar-me ao DNPN. Recuso, não é preciso tanta maçada, aceito apenas nome de quem, no próprio DNPN, me ajude, caso não consiga desembaraçar-me sozinha. Outro belo palácio, encontro o que pretendo excepto mapas geológicos: literatura sobre a presença de cobre no Brasil. Há só duas empresas cupríferas no Brasil, uma em Porto Alegre, outra, a Mineração Carbrasa, sediada em Salvador, BA. E apenas duas minas importantes em exploração, uma delas, a de Caraíba, na fronteira norte do Estado da Bahia, a centenas de quilómetros de distância da Cachoeira. Na Cachoeira há possibilidade da existência de cobre e notícias não confirmadas da sua ocorrência. Porque Spix & Martius, estudando o lugar onde se diz que fora encontrado o bloco, em Santiago do Iguape, não encontraram sinais de vínculo genético entre ele e a orogenia local, e também pela presença de sinais de fusão superficial na massa de cobre, é que declararam ser duvidosa a sua origem telúrica, associando-o então à classe dos meteoritos, e entre eles ao Bendegó. |
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Arquivo Público da Cachoeira |
Arquivo Público da Cachoeira Todos os membros da equipa expedicionária - Pedro Couto, Solange do Alívio, Wilton Carvalho e eu - consultaram ficheiros e documentos do século XVIII, na esperança de identificarem o porto e o riacho do Mamocabo, onde terá sido encontrado o bloco de cobre, mas tudo foi em vão. O topónimo Mamocabo, noutros documentos inscrito sob a forma Momocabo, não existe na actualidade (3). De outra parte, as coordenadas fomecidas por Manuel Galvão da Silva para identificar "o lugar verdadeiro" onde fora encontrado o bloco de cobre, ou são insuficientes ou falsas. S. Salvador- Arquivo Público do Estado da Bahia Com o nosso mais incansável colaborador, verdadeiramente interessado no bloco de cobre, Wilton Carvalho, em duas os três sessões de arquivo, buscando ao acaso por datas, descobrimos vários tesouros manuscritos no século XVIII acerca de descobertas cupríferas na Serra das Borrachas (Bahia, Jacobina), e um registo de carta a acompanhar a remessa, em 8 de Junho de 1782, de uma porção de cobre com o peso de 81 arrobas, e 24 arrates, que foi achada no termo da Vila da Cachoeira Recebidos pela directora do Arquivo, a historiadora Anna Amélia Vieira Nascimento, novos horizontes depressa para mim se rasgaram, de um lado ao ouvir falar da Inconfidência Baiana, em 1798, de outro ao ler um catálogo dos manuscritos conservados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, cuja consulta ela sugerira. No catálogo figuram três documentos relativos a um bloco de cobre. Existem microfilmes no Arquivo da Bahia, com grande camaradagem a Drª Anna Amélia facultou a sua reprodução. Trata-se, na realidade, de quatro documentos (4): Documento Um Acompanha os outros, é um dactiloscrito com a seguinte luz: Instrumentos em pública forma do termo de declaração e sequestro de uma pedra de cobre de 30 arrobas, achada em Nazaré, Cachoeira, 1782. II - 33, 20, 16. Obs.: Os documentos não referem a Nazaré, sim o Mamocabo, em Santiago do Iguape. Documento Dois É um manuscrito, em boníssimo estado, datado de 20 de Fevereiro de 1782, com a seguinte cabeceira informativa: Instrumento em pública forma com o teor de um termo de declaração que fez o alferes de Henrique Dias António Machado da Trindade. Resumo: O alferes António Machado da Trindade declara ter descoberto uma pedra de cobre com mais de trinta arrobas, no riacho Mamocabo, e mais declara não ter averiguado se haveria alguma outra junto da primeira. Documento Três É um manuscrito, também em óptimo estado, igualmente datado de 20 de Fevereiro de 1782, que contém dois documentos, assim descritos em cabeceira: Instrumento em pública forma com o teor de um mandado de sequestro em ofício da Justiça e termo de sequestro. Resumo. O capitão Gonçalves, sozinho ou com os escravos, extraira e levara de rasto com os seus bois o bloco de cobre. A autoridade judicial manda os oficiais de Justiça procurarem o bloco e sequestrarem-no, caso o encontrem. Não o encontrando, devem prender o capitão Gonçalves, para averiguações. Os oficiais de Justiça encontram o bloco em casa do capitão Gonçalves, na Fazenda da Guaíba, freguesia de Santiago do Iguape. O ventanário declara o capitão Gonçalves fiel depositário do bloco até lhe ser reclamado pela Justiça. Suco de cobre nativo - o vitríolo O bloco duas vezes sequestrado é ou não o que existe no MNHN? Para ajudar a descobrir, Isabel Cruz e Ana Maria Neves deram forma de desenho a uma das descrições patentes nos manuscritos. |
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Isabel Cruz (em baixo) e Ana Maria Neves (por cima) dão forma à descrição: ... julga ter a dita pedra pelo seu volume trinta arrobas pouco mais ou menos, e tem esta três palmos e meio de comprido, dois palmos de largo em uma face e na outra um e meio mais ou menos, três faces com um palmo de altura em cada uma, e a outra face esparrada em um dos cantos dum pedaço tirado de duas ou três libras pouco mais ou menos, e logo na dita pedra fez o ventanário sequestro. |
Em princípio, as dimensões não coincidem. Segundo Vandelli (1797), elas seriam, actualizadas no sistema métrico: 97x76x26 centímetros. Por falar em sistema métrico, há um glossário de pesos e medidas no final do texto. Nesse artigo de Vandelli, pelo meio das medidas velhas, e mistura de medidas de Londres com as de Paris, vem a frase: Este cobre pelo ensaio mostrou não conter nada de prata, e ouro, e por quintal deu 97 de purissimo cobre. Por outras palavras, o bloco tem noventa e sete por cento de cobre. Num texto em que se usam medidas velhas - a polegada de Paris, apesar de a moda vir de Paris, também é tão velha como a redondilha -, Vandelli declara uma percentagem, o que signilica uso do sistema centesimal. Então a verdadeira medida de París - que a 14 de Julho de 1789 cria o seu dia nacional com a Tomada da Bastilha, essa medida é bem outra. Panaceia universal, essa medida nova tinha o nome de Revolução. Mais de 55 anos antes de imposto oficialmente em Portugal, e imposto não significa adoptado imediatamente, o sistema métrico, de origem francesa, Vandelli tem a audácia de usar uma das medidas do que então era o inimigo, com isso sujeitando-se à acusação de jacobino. Foi com tal alegação que o prenderam e desterraram para os Açores, em 1810. |
NOTAS DA PRESENTE EDIÇÃO |
(1) Até hoje estou à espera da tradução, mas provavelmente o alemão não sabe latim. (2) Viemos a saber depois que o tradutor não censurou nem sonegou informação, a obra não está traduzida na íntegra. (3) Mas foi posteriormente identificado, a equipa do Museu Geológico da Bahia e Wilton Carvalho fizeram novas expedições, e descobriram as terras de mica de que fala Vandelli numa das suas várias memórias. Cobre é que não, desgraçadamente. (4) Foram transcritos e estão online no TriploV, na bibliografia do meu trabalho sobre a Pedra de Cobre. |
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