DO CHÃO AO CÉU
(os jardins de fogo)
Risoleta Pinto Pedro

INDEX

Introdução - Os sinais
I A OBRA AO NEGRO
II A OBRA AO BRANCO
III- A OBRA AO RUBRO

Introdução

Não tenciono falar dos jardins medievais, nem dos jardins românticos, nem dos jardins revivalistas, ou dos jardins assumidamente místicos, dos sensuais jardins árabes, ou dos jardins trágicos, como o da Quinta das Lágrimas.

Mostrarei imagens que fui fotografando ao longo dos recentes anos: árvores do meu jardim e de outros jardins ou das ruas, o chão da praia ou do asfalto, graffitis nas paredes da cidade ou em tapumes colocados de pernas para o ar, no caminho de Santiago, sinais de nuvens nos céus, ou sinais de objectos no chão da feira da ladra, flores à entrada de esgotos, uma rosa abandonada no chão, à chuva, mesmo ao lado uma outra, de plástico, protegida atrás de uma montra, um muro cravejado de vidros, um boneco abandonado no chão com uma pétala, as minhas mãos de menina adornadas de pétalas, as orelhas adornadas de brincos de cerejas, o corpo oferecendo-se como jardim, uma caótica montra de drogaria do meu bairro, um muro com formas orgânicas como um corpo vivo, uma campa com um corpo morto e símbolos vivos, frutos mordidos, ninhos, insectos, humildes flores rompendo pela pedra de lioz da cidade, ou pelo granito, baldes e vassouras à porta de um museu do ícone, na Roménia, casas com olhos também lá, um chão de folhas que um dia olhei e onde vi, surpreendentemente, a estrutura que a tudo subjaz, passos de bailarinos, um tronco de árvore morta parecendo uma catedral gótica, pétalas de flores de casamento abandonadas num chão, uma gigantesca espada na capela de Serralves, três ramos de acácia na montra de uma pastelaria em Roma, o túmulo de Adelaide Cabete no cemitério de S. João, formigas gigantes em busca de um caminho de luz, um repuxo na Expo, adereços de um espectáculo, um papagaio de papel no céu, jacarandás de Junho, em Lisboa, um bolo de caramelo símbolo de amizade e paz, uma compota de laranjas de convento, flores de Alentejo, ramos de espiga, uma mão sobre uma lâmina, uma criança adormecida, uma mão abandonada, um amargo de limão, um bolo feito com ele, uma lua e um sol num templo ou pendurado numa aldeia do Alentejo a lembrar que ali houve uma festa, uma varanda com flores de plástico, um triciclo no chão como folha caída ao lado de folhas caídas, uma maçã observando-me de cima de um carro, outra vendo-se ao espelho, uma maçã desventrada na boca, em busca da estrela interna, uma flor de luz selando um portão, dois cães como guardas de um templo de um antigo matadouro agora atelier de escultura em pedra, graffitis no chão, uma espada no ar, como flor, uma lâmina que se transforma de falo em fenda, uma fenda no chão que se transforma em câmara de reflexão.

Confesso que mais uma vez estive na Regaleira, que mais uma vez os meus olhos se deslumbraram com tudo o que viram, e que me limitei a fotografar… as folhas abandonadas no chão!

O que aprendi com as plantas acerca de nós… plantas humildes encostando-se à parede para passarem despercebidas, para deixarem os outros passar, há pessoas assim. Outras, quase se desfragmentam. Outras pensam que são pedra, colam-se às pedras, portam-se como pedras. Falo de plantas, falo de pessoas, falo de jardins.

Existem muitas formas de falar e de cuidar de jardins e de nos relacionarmos com eles: semeando-os, plantando-os, estudando-os, perdendo-nos nele quando são labirintos, elevando-os em socalcos, descobrindo-lhes o espírito, secando-os, violando-os, regando-os, ocultando-os, ignorando-os ou… incendiando-os. No fogo do amor.

Venho falar-vos destes últimos, meus secretos jardins. São iniciáticos, mas não têm um poço. Eles são um poço.

Partir do chão que nos dão é um método muito seguro de elevação. Por isso, um sábio tibetano disse:

“Quando eu caio do chão eu uso o chão para me levantar”

Assim sendo, nada de mau poderá acontecer-nos, porque neste meu jardim tudo é escada e todo o chão se torna elevador a céu aberto e acto de agradecer.

Também os jardins têm perfis, e eu gosto de ser surpreendida, quando os encontro, na sombra da cidade, pelos perfis dos jardins ocultos.

Ando pela rua, umas vezes olho o chão e os vermes, outras vezes olho os homens e os animais, outras ainda olho o céu, os anjos e os pássaros. Ando pela rua, florida com o esquadro e o compasso, no fio da espada. É aí que me situo, entre a terra e o céu, aí estão os meus jardins, desenhados na terra a esquadro, elevados ao céu, a compasso. Não posso desdenhar a terra e a água com que rego a flor, não posso desdenhar o céu e o fogo a que, aérea, a flor aspira.

OS SINAIS

Veremos a aparentemente aleatória escrita de Deus nos caminhos. Fá-lo com pássaros, com tinta, com folhas, flores, conchas, com nuvens, com gente.

 

Apenas

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Última Actualização:
30-Jun-2006




 

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