A “FLORA PORTUGUESA” DE GONÇALO SAMPAIO,
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INDEX |
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1. Epígrafe ANEXOS IMAGENS DA "FLORA PORTUGUESA" |
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4. Tipos de subversão e instituições subvertidas |
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Caprettini considera instituições certos códigos, por exemplo o das boas maneiras, os protocolos de tratamento dos destinatários das cartas, e outros, por implicarem convenções sociais. O facto é mais compreensível ao incluir nessa categoria o código jurídico. Para nós, esta visão do código tem a vantagem de podermos considerar instituição, como o Código Penal, o Código Internacional de Nomenclatura – existem vários, entre eles o de Nomenclatura Botânica, invocado por Pires de Lima na epígrafe à “Flora Portuguesa”. O seu mecanismo é idêntico ao de um código penal: estipula o que se deve e o que não se deve fazer. Em casos de litígio, que são muitos, por exemplo para alterar a ortografia de um nome, o proponente da mudança e os defensores da manutenção carreiam enorme quantidade de argumentos que vêm a constituir um memorial da espécie. Essa literatura é publicada no Bulletinof the International Society of Botanical Nomenclature, aberto à discussão dos botânicos, e, depois, um júri decide sobre o assunto. O tribunal do código de nomenclatura não condena a multa nem a prisão os prevaricadores, mas os naturalistas, nos artigos que vão escrevendo, encarregam-se de atirar para a berma da estrada os colegas que atropelam as regras de trânsito. Por conseguinte, os códigos são instituições, valem para grupos de pessoas que se regem por eles, e de facto endender-se-ia mal a polifonia da ciência, o seu carácter dialogante, se dada subversão fosse usada só por um autor, pois então estaríamos face a um estilo ou a negligência. A incompetência não pode ser encarada, pois lidamos com autores consagrados, com número vasto de textos publicados, e é necessário observar que a posição de um botânico ou de um zoólogo é internacional, por ser internacional a sua área de trabalho. Ao contrário do que afirma Gonçalo Sampaio, no título “Flora Portuguesa”, as plantas que ocorrem em Portugal não são portuguesas. Dada espécie, vamos supor o Hibiscus rosa-sinensis, tem uma área de distribuição trans-continental, o que não se compadece com fronteiras nacionais. Os cientistas que se ocupam dela, nos vários países, têm de se ler e citar uns aos outros, para actualizar e discutir informação, o que não acontece com as pessoas das Letras, como o Zé Augusto muito bem sabe. O naturalista incompetente seria irradiado da academia antes de fazer currículo, e antes portanto de se sentar no anfiteatro internacional. Vejamos quais os tipos de subversão desencadeados pelos erros de ortografia patentes na “Flora Portuguesa” e noutros trabalhos do insigne botânico Gonçalo Sampaio, e o que atingem. a. Subversão linguística . O Zé Augusto falou-me do estratagema de pôr acentos em textos em latim, e em inglês, para ajudar à prosódia. Esses textos com acentos não se destinam a publicação. Ou destinam? Só servem para a oralidade. Os catálogos florísticos e faunísticos destinam-se em primeiro lugar à leitura e à escrita e têm circuito internacional. Publicar textos com a ortografia deliberadamente errada é uma subversão linguística, um atentado à convenção do bem escrever. b. Subversão do Código Internacional de Nomenclatura Botânica . Citado por Pires de Lima, para sabermos que Gonçalo Sampaio o conhecia - todos os naturalistas conhecem e têm na estante os códigos de nomenclatura das suas áreas - o International Code of Botanical Nomenclature adopta o latim clássico nos nomes científicos. Proíbe também que a nomenclatura seja alterada. Os nomes científicos não podem sofrer deturpações, sob pena de a comunidade internacional não saber de que espécie está o naturalista a falar. Já anotei que as alterações nomenclaturais passam por processos morosos, que exigem publicação de argumentos a favor e contra, na revista da Sociedade Internacional de Nomenclatura, e um júri que delibere sobre a questão, de modo a que a resolução passe a funcionar como lei. Em suma, o uso de acentos gráficos no latim é uma subversão do International Code of Botanical Nomenclature. c. Subversão das regras de citação . Ignoro se o código de citação está publicado, tal como o código das boas maneiras, que ensina a cumprimentar apertando a mão, ou dando dois ou três beijos, e não, por exemplo, a dar um pontapé no destinatário do cumprimento. Nós sabemos, por intuição, hábito, ou por leis naturais, que, quando citamos, o devemos fazer fielmente. Não podemos adulterar as citações, responsabilizando por erros os autores da descrição. As espécies têm uma descrição original, publicada. Faz parte da descrição o nome da espécie, constituído em geral por dois nomes latinos, o primeiro um substantivo, e o segundo um adjectivo, seguidos do nome do autor e da data de descrição. Por exemplo: Onomis hispanica Lin.fil. (1781). Quando, na "Flora Portuguesa" ou nas "Novas adições e correcções á Flora Portuguesa", e são as "Novas adições" que a partir de agora passo a citar, Gonçalo Sampaio redige o nome pondo acento agudo em "hispánica", está a subverter as regras de citação, adulterando o nome atribuído à espécie pelo filho de Lineu. d. Subversão do sistema de normalidade própria . Poderíamos aceitar, em teoria, como instrumento de trabalho, um código heterodoxo, que seguisse a directriz de Américo Pires de Lima: um latim cujas palavras recebessem acentos gráficos, e que obedecesse às regras de acentuação do Português. Seria um "latínis macarrónicus", de cariz literário, com a sua graça. Já vimos porém que o latim de Gonçalo Sampaio não obedece às regras do Português, e nem sequer recebe todos os acentos gráficos do Português. Falta-lhe o til. Acontece que a subversão da normalidade própria, mesmo sendo heterodoxa essa norma, é mais ampla, e já sei que o Zé Augusto se interroga sobre a palavra "normalidade" - sim, estou a pensar no trabalho que ambos fizemos sobre teratologia, a ciência que estuda casos anómalos da anatomia das plantas e animais, "A Norma e o Monstro". E não, o Pires de Lima que nos forneceu a imagem do pénis bífido para esse trabalho não é Américo Pires de Lima. No entanto, como os Pires de Lima são do Porto, devem pertencer todos à mesma família. Algo que citamos de Barbosa Sueiro sobre a norma, nesse trabalho em linha no TriploV, diz que ela, a bela Norma, só existe nos tratados de anatomia. Certo, mas insisto: existe uma norma na anormalidade da acentuação do latim, que também ela é subvertida. Caso contrário, nem a acentuação de Gonçalo Sampaio, nem os argumentos de Pires de Lima, nem o meu artigo, teriam bases de sustentação, e eles estão sustentados. O meu artigo, sustenta-o meia centena de trabalhos anteriores sobre o mesmo assunto, o silêncio da comunidade científica, e a vossa atenção. A Pires de Lima e a Gonçalo Sampaio, além do INIC – Instituto Nacional de Investigação Científica, uma instituição governamental -, sustenta-os a élite científica passada, presente e futura, não só portuguesa, como internacional. Gonçalo Sampaio tem artigos publicados com latim escorreito, de resto o latim foi usado outrora como língua da ciência, não se restringe à nomenclatura. Ele sabe latim, lê-o e transcreve descrições em latim, quando precisa de volver aos caracteres do tipo, isto é, quando discute a identificação de dada planta. Então relê a descrição original dos exemplares que serviram para o estabelecimento da nova espécie, e a esse exemplar, ou ao modelo que ele constitui, chama-se "tipo". O tipo de Carex Goodenovii Gay, citado na primeira página das "Novas adições", apresenta estes caracteres: "..., cui habitu proxima, praecipue differt rhizomate sine stolonibus, foliis ligulatis, et bractea infima in base vaginante". Como o excerto não apresenta nenhum estratagema que ensine os estudantes a bem pronunciarem o latim, eis o motivo por que li à portuguesa, humilde discípula que sou dos naturalistas. É assim que, num mesmo texto, Gonçalo Sampaio acumula o latim clássico ao macarrónico. Se usasse só o macarrónico, a sua norma, mesmo heterodoxa, não seria subvertida. Como a variabilidade dos tipos e dos caracteres é muito grande, temos de mencionar a subversão do código próprio. Já vimos que o mesmo nome pode grafar-se de diferentes modos, na mesma ficha de espécie, e acrescento que diferentes regras determinam a acentuação de termos de estrutura idêntica: helvéticus e hispánicus, mas lusitanicus, ou Lythrum nummulariaefólium, mas já não tem acento Peplis nummulariaefolia, etc.. Entrando agora no jardim da "Norma e do Monstro", há subversões mais fortes da norma heterodoxa de Gonçalo Sampaio. É o caso de palavras com dois acentos gráficos iguais, ou de palavras com acento anterior à antepenúltima sílaba. Estando a discutir estratagemas de um pedagogo, latinista e folclorista, habituado a fazer notações musicais - não o disse de entrada, mas Gonçalo Sampaio, que conheceis de outiva, por haver instituições cujo nome o relembra, nasceu aqui na região de Guimarães, na Póvoa de Lanhoso -, vejamos então se os estudantes de Gonçalo Sampaio terão conseguido aprender a pronunciar os nomes: Stipa gígantéa, Cerástium púmílum, Lythrum thymifólía, ou Lythrum bíbracteatum. "Bíbracteatum" é uma palavra de cinco sílabas, com acento na primeira. As esdrúxulas, que já de si são bastante esdrúxulas, e só entraram na nossa língua no Renascimento, por artes dos humanistas, vão-se conseguindo pronunciar, embora a tendência popular seja a de lhes reduzir sílabas para que passem a graves, como explicam as autoras da gramática consultada para rever estes assuntos, Pilar Vásquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz. O mesmo não digo dos nomes que acabei de ler, impronunciáveis. A estas palavras, cujos caracteres escapam à prosódia normal, vamos chamar teratologias verbais. Tão anómalas como o pénis bífido do Pires de Lima anatomista, ou como os mamíferos de longos e espessos pêlos, com numerosos cornos, de que fala Charles Darwin, na recente edição de "A origem das espécies" (pág. 26), estas palavras subvertem a norma de Gonçalo Sampaio, que já sabíamos ser uma norma heterodoxa, com exibição de desvios monstruosos dos tipos morfológicos parentais. e. Subversão da instituição escolar. Será preciso defender a teoria de que o latim macarrónico, usado em obras académicas, e com o fim explícito de ensinar os estudantes, é uma subversão dasnormas do ensino? A nossa missão é ensinar. O latim macarrónico, salvo na sua versão literária, em obras como " O Palito métrico", é anti-pedagógico. Aliás, toda esta questão é absurda e teratológica, uma vez que se discute um assunto que ultrapassa as margens da fabulosa flora portuguesa, para entrar no âmbito da tão moderna globalização – refiro-me à transnacionalidade dos vegetais e não ao catálogo de plantas de Gonçalo Sampaio. E tudo, por absurdo que pareça, é excessivamente normal, se entrarmos dentro do código clandestino da ciência. |
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