há fotografias como punhais
e poemas também
todos os poemas que escreverei já foram escritos
dou-me apenas ao ofício das trevas
de os escrever em pedaços de argila
neles estão impressos a chuva e o vento
e as folhas noviças dos séculos
e o meu pai e a minha mãe que já partiram
esvoaçando num passado remoto
e também a rapariga feia e bela
e desfigurada pela varíola
que nunca fora amada porque não era bela
e que numa noite na taberna de Vladivostoque
se ofereceu derradeiramente a Joseph Kessel
talvez pouca gente saiba deste verso
que nunca foi escrito deste modo
e que foi acontecido durante a guerra sino-japonesa
quase ninguém esteve lá mas eu estive
trouxe-o comigo
é exactamente por isso que os meus poemas
escritos em verso já foram todos escritos
são como chagas alastrando e crescendo
em cristais do fogo
e o recinto do seu destino
está entre a terra e as estrelas
sei apesar de tudo porque li Juan Gelman
que cada lágrima é um problema insolúvel
maria azenha
2005,julho,lisboa
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