A narrativa vai reproduzir a memória em volta de duas mulheres: uma analfabeta, outra quase. Com mais precisão, num falar feminino, com estórias-refúgio, e processos de transformação, relativamente à mundividência arquetípica.
Particularizando um pouco mais, começarei pelo interior do feminino rural minhoto: quer nas mudanças de uma sociedade centrada na pequena agricultura, no Vale do Rio Ave, simbolizada pela Senhora Maria; quer no prolongamento de um imaginário rural, ainda mais deslocado no espaço e no tempo, simbolizado pela Senhora Albina. Estas realidades contribuíram, pois, para uma sensação perdurante, que sempre me foi acompanhando, relacionada com experiências e vivências que complementam (bi)univocamente os “saberes” e as “ciências”.
Para felicidade, também senti, à minha maneira, aquilo que Almeida Garrett (1799-1854) sintetizou assim:
«Lembra-me, em pequeno, a imensa alegria que eu tinha quando a minha Brígida (1) velha, criada que nos contava e cantava estas histórias, chegando ao passo em que a condessa ia morrer as mãos do seu ambicioso e indigno marido, mudava de repente de tom na sua melopeia e exclamava:
"Tocam nos sinos na Sé.
Ai Jesus quem morreria"?» (2)
Ou assim:
«Oh! magas ilusões, porque não posso
Crer-vos eu co'a fé viva de outra idade,
Em que de boca aberta e sem respiro,
Sem pestanejo um só, de olhos e orelhas
No Castelo escutava a boa Brígida (3)
Suas longas histórias recontando
D'almas brancas trepadas por figueiras,
D'espertas bruxas de unto besuntadas
Já pelas janelas fazendo víspere,
Já indo, às dúzias, em casquinha d'ovo
À Índia de passeio numa noite
E aí! se o galo cantou, que à fatal hora
Encantos quebram, e o poder lh'acaba» (4)
De facto, como já se percebeu, irei fazer aproximações às “alquímias no feminino” por um viés muito abrangente.
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