triplov.org...............................................................................V ENCONTRO DE TEATRO IBÉRICO Évora 3-9 Dezembro/2007 |
Entrevista a José Russo |
Memória de palavras Maria Estela Guedes |
É já pelo terceiro ano consecutivo que participo no Encontro de Teatro Ibérico. Embora a minha presença, este ano, se tenha limitado a dois dias, com quatro peças vistas, ficou-me a sensação de este V Encontro ter sido melhor e mais importante que os anteriores. No geral, diria que a notória falta de recursos económicos aguçou o engenho, tendo como resultado obras de estrutura muito simples, que com nada foram encenadas, em espaços quase desprovidos de cenografia. É o caso mais evidente da encenação de José Russo e da cenografia e figurinos de Cristina Cutrale para a sequência de textos poéticos de Abel Neves, com o título de "Além as estrelas são a nossa casa". Mas se este foi o exemplo mais flagrante de simplicidade e despojamento, outras peças não recorreram menos à imaginação para poupar o mealheiro: "El incorruptible", de Helder Costa, com encenação dele e cenografia de Eduard Vandellòs, em termos de visualidade vive dos actores e da iluminação. Certamente as cenas de strip tease não foram concebidas a pensar no orçamento para figurinos, mas nem por isso deixam de ser simbólicas de uma situação em que o teatro põe a nu a realidade social: um político desenvolve todos os esforços para alcançar o estatuto de "corrupto", mas falta-lhe pelos vistos a competência para subir a esse estado dos que têm tudo, incluída a pouca vergonha. Ele não tem nada, a não ser um enorme Desejo, mais uma camisa branca que volta e meia tira, ficando em tronco nu. Não ficou claro no meu espírito se El Incorruptible é português ou espanhol, de qualquer modo o Desejo não conhece fronteiras. Imagination au pouvoir foi a solução de Marta Lapa para erguer bonecos dançantes do papel em que Teresa Rita Lopes delineou as suas personagens do quotidiano, casais em fase de cansaço, já em ruptura. Marta Lapa teve necessidade de precisar que é coreógrafa e não encenadora. A sua encenação dos textos de Teresa Rita Lopes, "Imagina que descalcei o sapato e agora não o consigo enfiar", é realmente um encanto para os olhos, com a movimentação quase ballética de três actrizes que encaixam perfeitamente umas nas outras. Esta peça apresentada pela Escola de Mulheres dura cerca de uma hora, mas aguentar-se-ia duas ou mais, sem esfriar o encantamento em que mergulha os espectadores. Onde vai o tempo dos actores canastrões? Estes jovens, hoje em dia, fazem escola com bons professores, por isso são bons na generalidade. De resto, o amadorismo puro já não se vê, a não ser em teatros de bairro ou de aldeia, daí que as obras se situem num nível de performance de qualidade superior. A peça de Helder Costa, com actores espanhóis, muito bons - Óscar Huéscar, Rafael Campos e Cristina Alcázar - revela fenómeno idêntico. Os actores estrangeiros são tão bons como os nossos. Num registo completamente diverso, "Cabaré de Ofélia", de Armando Nascimento Rosa, é um divertimento espalhafatoso, de grande riqueza cenográfica e de figurinos, pelo menos em ilusão teatral. É o luxo habitual do cabaré. Virá a Lisboa em Janeiro, vale a pena ver duas vezes esta peça de picante modernista, que vem na sequência de uma outra do mesmo género, há anos exibida no Teatro Maria Matos, "Ofélia no Odre Marítimo". Armando Nascimento Rosa, no pouco que ainda conheço do muito que tem levado ao palco, manifesta duas tendências dramáticas dominantes - uma, mais pesada, em que as personagens passam pelo divã psicanalítico para sairem de lá transmutadas em deuses e heróis greco-romanos, como Édipo; outra, mais esfusiante e divertida, é o revivalismo da nossa época modernista, posta em cena como teatro de cabaré. E então surte efeito de grande novidade, e dá muito prazer, ver em cena Fernando Pessoa e a sua Ofélia - é a Ofélia das Cartas aquela que o título rememora, e não a de Shakespeare - e essa figura tão ardente de Judite de Carvalho, uma poetisa do perímetro da revista Orpheu, redescoberta pelo dramaturgo. "Cabaré de Ofélia" é um espectáculo a não perder, com deliciosa representação de Hugo Sovelas, no papel de travesti, e forte presença de Catarina Matos e Rosário Gonzaga. Acrescem, para sucesso do espectáculo, as canções e a música, sob direcção de Ulf Ding, a encenação de Cláudio Hochman, a cenografia e figurinos de Sara Machado da Graça e o desenho de luz de João Carlos Marques. Uma falta notória nestes encontros importantes: jornalistas. A cidade de Évora alberga companhias teatrais de nível superior, que apresentam bons espectáculos, há debates, nos quais facilmente se podem colher entrevistas e imagens, e não aparece um jornalista? Não se vê um fotógrafo? Infelizmente, a grande pobreza de Portugal não é tanto a de dinheiro, sim a de instrução. É a pobreza da nossa apetência cultural - aliás temos medo da cultura - que fecha as pessoas em casa, e encarrega os jornalistas de se ocuparem apenas de futebol e de televisão. |