Quem eram aqueles
dezoito homens
– talvez mulheres,
quiçá também crianças, aqui o genérico é equívoco -
sobre cujas cabeças
viram desmoronar-se
a Torre de Siloé, da
qual nada sabemos
salvo o que continua
a referir-nos no seu Evangelho
o médico e cronista
hebreu Lucas?
Eram porventura
construtores
que levantavam a
estrutura da Torre
ou que a escoraram,
falhando na tentativa?
Eram transeuntes,
que passavam abrigando-se à sua sombra
do fogo zenital, do
brilho inclemente do sol nas areias?
Nada sabemos deles
também, salvo o que o Escolhido disse
- reverberação, eco
límpido através dos séculos -
pela mão de Lucas:
Que os mortos de
Siloé
(e pode haver dito
de Port au Prince ou do Maule)
não eram mais nem
menos culpáveis
que os demais homens
e mulheres da terra.
Que o mistério da
tragédia – ou melhor: do acidente -
é algo que escapa às
nossas mentes breves
e secretamente faz
parte do anverso da trama
do Grande Tecido, do
qual vemos somente
- per speculum in
aenigmate -
o seu reverso,
cheio de torpes nós,
de cabos soltos, de absurdas laçadas
e mortos absurdos
como aqueles dezoito homens
– ou mulheres, ou
crianças - de Siloé,
ou os milhares de
Kerman, de Shan Si e de outras províncias
dos reinos que temos
afadigadamente construído
e que um dia podem
desmoronar-se
como a torre de
Jerusalém, quebrar-se em dois ou em três
tal qual as ruas de
São Francisco ou de Lisboa.
— E contudo,
os arqueólogos
afirmam que a torre derruída
pertencia às
muralhas da cidade e se erguia junto de uma fonte
de que ademais
tomava o nome, no vale de Tyropean.
Falo da afamada
fonte de Siloé, da qual falaram já os profetas
Nehemías e Isaías,
rica em água de vida,
a cujo tanque talvez
tenham ido saciar a sua sede
aqueles dezoito
homens;
a cujas águas
continuaram a ir saciar a sua sede os homens e as mulheres e
as crianças
durante muito tempo
depois da tragédia;
já que o acidente, a
dor, a morte, o despropósito,
a catástrofe,
por mais que nos
esmaguem
ou achatem os que
mais perto se encontrem de nós
não podem matar a
sede de infinito
que nos aflige desde
o princípio,
a sede de luz
que saciamos nos
bebedouros da dita,
mesmo quando se
encontram situados
nos próprios tanques
onde nos fez desmoronar o sofrimento.
Ali mesmo, no vale
de Tyropean. |