Tenho pressa.
Mande-me ar puro em envelopes,
montanhas em papillotes,
e pássaros em bando
extraídos da memória de ornitólogos dedicados.
Mande tudo para a posta restante.
Meu trem segue adiante
triscando ferros e atravessando
as plantas fabris de enxofre e cimento,
de ferro gusa e lamento.
Deixei o humano de carne e osso envelhecidos.
Instalei-me em mim como futuro de mim mesmo,
com músculos eternos de polipropileno e feixes
luminosos de fibras óticas.
Quando ordeno sou pênis inteiro,
vagina mundividente sem arrefecimento.
Quando penso,
o universal conceito é uma máquina
deslizando entre meus dedos-neurônios.
Aprendi com Whitman
e mais que Pessoa desmantelei a ordem
dos nexos físico-espirituais,
para ser além, não outro,
não mais que eu, mas um coletivo magnético,
sem natureza definida, supranatural,
melhor diria.
Meu trem segue pisoteando
a imaterialidade do cosmo.
Bobagem pensar em Andrômeda
(lá tenho casa de campo com copeira
e máquinas de dar prazer, mas nunca vou).
O planeta mil cento e onze Bê da Ursa Menor,
o maior de todos que estive, é do lado de casa.
É coisa muito melhor: fazenda sempre verde,
em que se derrama na grama uma mulher imensa
que me engole e vomita
como mãe e fêmea e ri comigo
dos perigos e compromissos da morte e da vida.
Tenho pressa, caramba,
minhas férias começaram, nem acredito,
mas é pura verdade.
Soco meu peito de aço e porcelana
e intimamente festejo:
sou macaco feroz
sem a humana alma inútil.
Para quê o risco disso?
Tenho pressa e meu aço brilha
com a promessa do sol de amanhã.
Mande-me se puderes o que pedi,
que é pouco, mande logo para a posta restante,
que o trem corre e perfura ígneo a esfera vítrea
do tempo. |