::::::::::::::::::::Érico Veríssimo:::
ANTOLOGIA

Incidente em Antares

Olhai os Lírios do Campo

O TEMPO E O VENTO:
Continente
O Retrato
O Arquipélago

Olhai os Lírios do Campo

Olívia se aproximou de Eugênio e com um lenço enxugou-lhe o suor da testa. Estava terminada a traqueotomia. A enfermeira juntava os ferros. Ruído de metais tinindo, de mesas se arrastando. Eugênio tirou as luvas e foi tomar o pulso do pequenopaciente. A criança como que russuscitava. A respiração voltava lentamente, a princípio superficial, depois mais funda e visível. O rosto perdia aos poucos a rigidez cianótica.

Eugênio examinava-lhe as mudanças do rosto com comovida atenção. Vencera! Salvara a vida de uma criança!

A vida é boa! - pensava Eugênio. Ele tinha salvo uma criança.

Começou a cantarolar baixinho uma canção antiga que julgava esquecida. Sorvia com delícia o refresco impregnado do cheiro da gasolina queimada. Sentia-se leve e aéreo. Era como se dentro dele as nuvens de tempestade se tivessem despejado em chuva e sua alma agora estivesse límpida, fresca e estrelada como a noite.

- Por que será - perguntou ele a Olívia - por que será que às vezes de repente a gente tem a impressão de que acabou de nascer... ou de que o mundo ainda está fresquinho, recém-saído das mãos de quem o fez?

Eugênio percorre em alta velocidade a estrada que leva à cidade, onde Olívia agoniza. "Que bom se pudesse ficar no campo, à beira da estrada, encostar as faces na frescura do capim molhado, dormir, esquecer, ser apenas uma pedra no caminho, a folha duma árvore... Fugiria à situação pavorosa de ver Olívia morta..."