Floriano entrou em casa depois da meia-noite, quando já haviam
cessado nas ruas os ruídos das comemorações, e a noite se preparava
para ser madrugada. No silêncio do casarão só ouviu o tique-taque do
relógio de pêndulo e, vindo do andar superior, o surdo bater da
cadeira de balanço de Maria Valéria.
"O Sobrado está vivo" - pensou, sorrindo. Entrou na sala de
visitas, acendeu uma das lâmpadas menores e ficou por algum tempo a
olhar afetuosamente o retrato de corpo inteiro do pai. Depois subiu
para a água-furtada. Acendeu a luz, fechou a porta e olhou em torno,
como que já a despedir-se daquele ambiente. Na véspera havia feito
várias tentativas para iniciar o romance. Para ele o mais difícil fora
sempre começar, escrever o primeiro parágrafo. O papel já estava na
máquina, mas ainda completamente em branco.
Tirou o casaco, aproximou-se da janela, sentou-se no peitoril e
ali se deixou ficar, como a pedir o conselho da noite. Viu o cata-vento
da torre da igreja, nitidamente recortado contra o céu, e pensou nas
muitas histórias que ouvira, desde menino, sobre a Revolução de 93. Uma
havia segundo a qual, durante o cerco do Sobrado pelos federalistas, na
noite de São João de 1895, o Liroca tinha ficado atocaiado na torre da
igreja, pronto a atirar no primeiro republicano que saísse do casarão
para buscar água ao poço. Por que não começar o romance com essa cena e
nessa noite?
Sentou-se à máquina, ficou por alguns segundos a olhar para o
papel, como que hipnotizado, e depois escreveu dum jato:
Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a
cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério
abandonado.