Américo Correia de Oliveira
(ESELeiria/Instituto Camões/Universidade A. Neto)
A LITERATURA ANGOLANA DE TRADIÇÃO ORAL
E A SUA RECOLHA: HISTÓRIA BREVE E TEORIA

1. Introdução

2. Algumas tipologias da literatura angolana de tradição oral

3. Historial da edição do acervo da literatura angolana
de tradição oral

ANEXO I - "FOLCLORE ANGOLANO"

ANEXO II. “HISTORIAL PROVISÓRIO DA EDIÇÃO DO ACERVO DA LITERATURA ANGOLANA DE TRADIÇÃO ORAL”

ANEXO III - MAPA DOS GRUPOS ETNOLINGUÍSTICOS
DE ANGOLA

BIBLIOGRAFIA

 
Introdução

Reza um velho provérbio dos Ovimbundu que “Os brancos escrevem livros, nós escrevemos no peito.” (1)

O emérito angolanista Carlos Estermann, numa alocução proferida no I Encontro de Escritores de Angola, realizado em Sá da Bandeira, em 1963, referindo-se ao futuro da literatura oral dos povos bantos (“bantu”) angolanos, designadamente os do Sudoeste, afirmava:

"[...] tal perspectiva não é muito animadora para a literatura oral nativa e isto não só na região de que nos ocupamos, mas em toda a África Negra. Num futuro mais ou menos próximo os povos deste continente vão ser privados do instrumento tradicional da sua expressão. É este o processo que está em plena evolução em toda a parte." (2)

Quase cem anos mais tarde, em 1993, Pepetela mantinha o mesmo tom pessimista:

Em relação à literatura oral, as recolhas realizadas até agora são muito poucas e, no caso de Angola, essa tradição está-se esboroando por causa dessa guerra prolongada. As populações saem do interior, perdem os laços tradicionais e a figura daquele mais velho contador de histórias, o griot, desapareceu praticamente. Isto em termos de campo. Encontramos apenas alguns griots suburbanos, mas é uma coisa que está desaparecendo. (3)

Será o passado tão negativo e o futuro tão pouco promissor? Na parte final, tentaremos esclarecer esta questão.

A "literatura tradicional de transmissão oral" faz parte dum campo mais vasto que se convencionou apelidar de "tradição oral" e que mais não é que a "memória colectiva duma sociedade que não revestiu a forma escrita"(4). Abarcará, deste modo, um vasto domínio, também designado "folclore", que recobre áreas como os contos, provérbios, adivinhas, relatos históricos, canções, danças, teatro, farmacopeia, etc...

São vários os especialistas em tradição oral, africana, e cada um utiliza, habitualmente, uma tipologia específica (5).

A primeira tipologia classificativa da tradição oral angolana é de Mário Milheiros que a denomina "folclore", subdividindo-o em "contos, fábulas e adivinhas; danças e festas; música, canções e instrumentos; contagens; jogos e entreténs; o tempo; fenómenos atmosféricos." (6).

A mais completa tipologia da tradição oral angolana é-nos fornecida por José Redinha (7) que, embora reconhecendo a inexistência de um inventário geral do "folclore angolano", e a consequente dificuldade da "sua partilha por temas e classes", reparte o "folclore angolano" por vários grupos e ciclos temáticos, conforme quadro que, pela sua extensão, apresentamos em anexo.

 

(1) J. F. Valente (1964b):101)

(2) Estermann [1983 (II vol.):280].

(3) Entrevista de Pepetela a E. M. de Melo e Castro, in Público de 1993.10.19.

(4) Colloque (1985:11).

(5) Para Shorter (1974:117, in Altuna, 1985:37-38), "o elenco de formas literárias orais africanas resume-se no seguinte: a) fórmulas rituais: orações, invocações, juramentos, bênçãos, maldições, fórmulas mágicas, títulos, divisas; b) textos didácticos: provérbios, adivinhas, fórmulas didácticas, cantos e poesias para crianças; c) histórias etiológicas: explicações populares do porquê das coisas, evolução das coisas até ao estado actual; d) contos populares: histórias só para divertir; e) mitos: todas as fórmulas literárias que utilizam símbolos. Melhor, são mitos certas histórias transmissoras de tradições arcaicas, de tipo religioso ou cosmológico, relacionadas com Deus ou com a criação; f) récitas: heróico-épicas, didácticas, estéticas, pessoais, mitos etiológicos, memórias pessoais, migrações; g) poesia variada: amor, compaixão, caça, trabalho, prosperidade, oração; h) poesia oficial: (histórica), privada (religiosa, individual), comemorativa (panegírica); poesia culta, ligada às castas aristocráticas e senhoriais; poesia sagrada, cantada nos ritos religiosos e mágicos, em cerimónias de sociedades secretas, em ritos fúnebres, poesia que interpreta a filosofia e os mistérios da vida e da morte; poesia popular, cantada nos jogos à volta do fogo, transmissora de ensinamentos morais e históricos; i) narrações históricas: listas de pessoas e lugares, genealogias, histórias universais, locais e familiares, comentários jurídicos, explicativos, esporádicos, ocasionais".

Vansina (1982, vol. I:160) considera as seguintes "formas fundamentais das tradições orais": 1. "poema" ("de forma estabelecida e conteúdo fixo"); 2. "fórmula" ("de forma livre e conteúdo fixo"); 3. "epopeia" ["de forma estabelecida e conteúdo livre (escolha de palavras)"]; 4. "narrativa" ["de forma livre e conteúdo livre (escolha de palavras)"]. Veja-se do mesmo autor (1966 [?]:156) a “Tipologia de las tradiciones orales”, mais completa.

Honorat Aguessy (1985:44-45) distribui o campo da tradição oral por cinco sectores: 1. tradição oral; 2. toponímia e antroponímia; 3. arte e artesanato; 4. mitos e elementos culturais veiculados pelos relatos e rituais religiosos; 5. fitoterapia e psicoterapia, e, em sentido restrito, a farmacopeia.

(6) Milheiros, 1967:79; 79-104.

(7) Redinha (1975b):286-287).