Não fugiu Angola, como antiga colónia portuguesa, ao movimento cultural internacional, materializado no "grande interesse por manifestações de cultura tradicional popular" (1), inserido no movimento romântico e que, segundo Óscar Lopes, "liga-se a uma ideia de uma inocência poética primitiva, de um estado originário de indiferenciação entre a psique individual e colectiva, entre os ritmos humanos e os ritmos naturais [...] dir-se-ia uma forma nova do mito do Paraíso Perdido ou da Idade do Ouro" (2).
Transportavam consigo os colectores da tradição oral, sem margem de dúvida, ideologias de cariz político e/ou religioso que, por vezes, senão sempre, os faziam apologistas do regime colonial vigente. Julgamos, contudo, que alguns, entre os quais se poderá incluir Héli Chatelain, se nortearam, predominantemente, por um ideário de defesa da cultura tradicional angolana e, até, de luta pelos valores pátrios e autonomistas no sentido de "fundar uma literatura africana autóctone" (3); ou, como Cordeiro da Matta (1857-1894), na linha duma "renascença africana em Angola que antes de mais exigia a legitimação das línguas indígenas" (4).
A recolha da literatura angolana de tradição oral acompanha de perto, embora com algum atraso, as diferentes recolhas feitas em solo africano banto (bantu). Tomando como ponto de partida o ano de 1864, inclusive, data da primeira recolha impressa de literatura tradicional angolana em geral, com a publicação de vinte provérbios por Saturnino de Oliveira e Manuel Francina, na obra Elementos Gramaticais de Língua Ndundu, são referidas, até essa data (1864), por Bessa Victor (5), oito obras sobre "folclore africano". Este autor considera, como primeira, os Études sur la Langue Séchuane (1841)(6) de Casalis (7).
Apresentamos, no anexo II, os principais espécimes bibliográficos, referentes à recolha ou compilação da literatura de tradição oral angolana, que assumiram a forma de livro ou revista, ordenados cronologicamente pelo ano da 1.ª edição, com a indicação do número das "formas de texto" e do respectivo grupo etnolinguístico, desde 1864 a 2005, datas da primeira e última recolha do nosso conhecimento.
E que conclusões poderemos retirar deste elenco de “formas de texto”? Poderemos afirmar que, grosso modo, Angola possui um acervo de mais ou menos de 13.000 provérbios, 1.300 adivinhas; 1.200 canções; 1.000 narrativas tradicionais; e perto de 450 varia (motejos; passatempos infantis; vozes de animais; orações e “makas”[discussões]).
Tudo leva a crer, ¾ considerando as intervenções públicas de Virgílio Coelho e Jaka Jamba, e, essencialmente, pelos projectos encetados e a encetar pelo Núcleo Nacional de Recolha e Pesquisa da Literatura Oral (NNARP), pelo Instituto de Línguas Nacionais (INL), pelo Arquivo Histórico e pela Universidade Agostinho Neto, nomeadamente no domínio da narrativa tradicional, ¾ tudo leva a crer que um futuro promissor aguarda este país agora livre da guerra, que não da sua memória.
De facto, como diz o poeta, “de que futuro pode haver temor // para quem tanto acumula do passado?” (8)
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(1) Óscar Lopes (1972:70). O título do capítulo é deveras sugestivo: "Estará o folclore condenado?" Óscar Lopes opina a favor da sobrevivência do folclore, como "cultura popular social". Augura, num futuro superador da "contradição rústico-urbano" com o consequente tempo de lazer e convivência, um "enorme surto de actividades sociais com o cunho de arte ou jogo, isto é com o cunho de vita gratia vitae, que é a única possibilidade real de ars gratia artis. [...] na medida em que a vida passe a constituir um fim superior em si mesma, em vez de, por exemplo um processo de caça ao lucro [...] o folclore entrará em renascença efectiva, e toda a grande arte será também mais popular" (ibidem:76-77).
(2) Óscar Lopes, 1972:70.
(3) Hamilton, 1981:53.
(4) Idem, ibidem :53.
(5) Bessa Victor, 1975:15-16. O autor serve-se de alguns dados de Chatelain (1964:96-99).
(6) Chatelain (1964:96) menciona o ano de 1840.
(7) Não é essa a opinião de Okpewho (1992:164): "Of all branches of African oral Literature, oral narratives have received widest attention in terms of collection and study. Work in this connection by both amateur and profissional scholars goes back as far as 1828, when the Frenchman Jean-François Roger published (in Paris) a collection of Wolof tales from Senegal." O título e a data são referidos por Finnigan (1970:533): Fables sénégalaises recueillies dans l'Ouolof (1828).
(8) Carvalho, Ruy Duarte de (1976:351), “Fala da Rainha de regresso ao kimbo”, in MEC, Poesia de Angola. Luanda: Nova Editorial Angolana.
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