CUNHA DE LEIRADELLA
Os espelhos de Lacan . Romance

INDEX

Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa
OS ESPELHOS DE LACAN
Considerações sobre graus dissociados
O objeto e os espelhos
O objeto e as imagens (a)
O objeto e as imagens (b)
O objeto e as imagens (c)
O objeto e as imagens (d)
Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa (cont. e FIM)

O OBJETO E AS IMAGENS

11

Eduardo da Cunha Júnior, aquele cafajeste? Mas é claro que não morreu, devia morrer, mas não morreu, coisa ruim nunca morre. Eu conheço bem esse desgraçado, é um cafajeste. Mais ainda, quem diz que todo homem tem direito de ter razão, não é só cafajeste, é um cafajeste perigoso. Nenhum homem tem direito de ter razão a menos que a comunidade lhe dê esse direito.

Além de nada fazer em proveito da coletividade, esse sujeito ainda se arroga o direito de julgar. E, o que é ainda pior, acha sempre que está certo. Mas a culpa não é só dele. Aliás, a culpa maior é de quem lhe dá atenção. Se Maurício se impusesse e tomasse uma atitude, por mim, há muito esse indivíduo estaria fora da nossa vida.

O que esse mau caráter escreve, e muito mal, no Plano Inclinado, só tem parelha no que foi escrito no Mein Kampf. Mas, ainda assim e guardadas todas as distâncias, com inúmeras desvantagens. O pintor de paredes, pelo menos, apesar de louco e genocida, era real, e esse senhor Eduardo da Cunha Júnior não passa de um personagem de si mesmo.

Não quero nem lembrar quando conheci esse sujeito, basta dizer-lhe que o conheço há anos e melhor do que ninguém. A vida de um ser humano não se inicia no ato de nascer, inicia-se com a consumação do seu primeiro ato consciente. Mas foi melhor assim. Se esse cafajeste também tivesse pulado o muro do meu quintal, hoje eu não seria o que sou. Nem ele.

E o que eu sou, eu sou porque tenho consciência que quero ser. Sempre tive. Mesmo antes de conhecer Maurício já sabia o que significava liberdade e já lutava contra a ditadura, não era como esse cafajeste que saltava muros de quintal e só sabia vegetar pelos botecos, teorizando a liberdade. Como se um sujeito que não tem objetivos pudesse ter opiniões.

O que diz aquela infeliz, que o mau-caráter enganou todos estes anos, não tem a menor propriedade. Se tivesse, há muito dormiriam na mesma cama. Seios grandes, doutora, tem quem quer, ou no seu dicionário não existe a palavra silicone? Ou não teria sido a senhora que inventou a morte dele para poder justificar o fato de nunca ter casado, hem, doutora Lúcia?

Mas é bem feito. Se a idiota não sabe nem enxergar o que tem debaixo do nariz, merece, mesmo, é ser tripudiada e enganada. A mim, o cafajeste nunca enganou. Nem mesmo depois que Maurício o chamou para colaborar no Plano Inclinado.

O filho da puta sempre gostou de pontificar, e Maurício e aquela cambada do Vaca Atolada, um bando de cretinos a babar e ele, superior, a cagar regras. Como se aquela espelunca fosse um Flore ou um Deux Magots e ele fosse o arauto de uma nova humanidade. E, o que é ainda pior, isto acontecendo no exato momento em que os nossos companheiros eram torturados e mortos nos porões da ditadura, e os imperialistas queimavam camponeses no Vietnã com bombas de napalm.

Maurício, pontificava o idiota com aquele ar professoral que mantém até hoje, sempre que eu acreditei que alguma coisa ia mudar, fui enganado. Quem mandava, continuou mandando, e quem obedecia, continuou obedecendo. Quem está na mó de cima nunca vai querer ficar na mó de baixo, Maurício. Só vai ficar na mó de baixo se o obrigarem, se as bases se inverterem, entendeu? Em 1789, na França, e em 1917, na Rússia, as bases inverteram-se, mas as mós continuaram, só mudaram os moleiros. A guilhotina substituiu a forca, mas as cabeças continuaram rolando em nome da liberdade e, na Sibéria, os corpos continuaram congelando em nome dessa mesma liberdade. No Brasil, quem obedecia no tempo de Getúlio, continuou obedecendo no tempo de Goulart, e continua obedecendo no nosso tempo. Em pouco mais de trinta anos, por três vezes mudaram os moleiros, Maurício. Mas só mudaram os moleiros, as mós continuaram. E, enquanto houver moleiros na mó de cima, haverá sempre alguém sendo moído na mó de baixo. Foi assim na Alemanha e na Itália, e ainda hoje é assim no Brasil e na Rússia.

A minha vontade era matá-lo. Como é que um filho da puta que sempre fugiu da luta, veja se ele pintou a cara e saiu na rua, agora, como eu saí, no impeachment desse fantoche imperialista desse Collor, como é que um filho da puta daqueles, repito, se atreveu a comparar a Alemanha e a Itália e o Brasil, com a Rússia? Desde quando um pintor de paredes e um jornalista fracassado, e generais de pijama, podem ser comparados com líderes aclamados pelo povo?

Não é à toa que eu nunca gostei de Belo Horizonte. Belo Horizonte, como coletividade comunitária, não existe. Apesar dos milhares de operários que morrem de fome nas fábricas dos tubarões capitalistas, em Belo Horizonte nunca existiram lideranças coletivas, o dinheiro dos patrões sempre asfixiou os ideais da liberdade. Até quando Maurício foi preso, a prisão não teve a menor repercussão, nem uma voz, nem uma sequer, se levantou contra a prepotência dos tubarões.

Em Belo Horizonte, o importante é cada um tratar de si, ser alguém, mesmo que seja à custa do maior dos arrivismos. Como a consciência coletiva não existe, é que reacionários do quilate daquele indivíduo ainda sobrevivem. Ninguém os molesta e, o que é pior, ainda são escutados, mesmo por aqueles que, obrigatoriamente, deveriam estar do nosso lado.

Palavra de honra, até hoje não consigo entender como é que Maurício, um perseguido político e um jornalista de renome, continua perdendo tempo em Belo Horizonte. Um cu de mundo, onde homem é sempre homem e mulher é só acessório de cozinha ou, quando muito, colchão de cama de machista.

Mas, o pior, não é só isso, o pior, é que Maurício, além de babar e deixar o cafajeste colaborar no Plano Inclinado, ainda diz que eu não tenho razão quando lhe digo a verdade. Como aconteceu na primeira vez que me levou àquela espelunca do Vaca Atolada e eu mandei o filho da puta à puta que o pariu.

Nenhum homem tem direito de ter razão, não, seu cafajeste! A razão não pertence ao indivíduo, pertence ao grupo, e só o grupo pode determinar o que deve e o que pode, e o que não deve e o que não pode ser pensado, ser dito, ou até ser realizado.

Mas Maurício não pensa. Não fosse eu estar sempre atenta, há muito aquele filho da puta já nos teria separado. Só que, para azar dele, eu sou Marta Teles de Mendonça, não sou uma putinha qualquer, que espera por ele no quintal, do outro lado do muro e só faz o que ele quer que seja feito. Não sou mesmo, viu, seu cafajeste! E se não morreu, morra, que é um bem que faz a todos nós, seu cretino!

12

Marianinha nunca foi minha namorada, mas antes de Lúcia houve outras Lúcias. Jussara foi a primeira e durou menos de um verão. Parecia como eu, mas não era igual a mim. Também gostava de cinema e de livros, mas o que mais lhe interessava era um marido. Dormiu na minha casa algumas vezes, mas tudo acabou quando quis ficar de vez.

Não sei por quê, e sei que nunca saberei, mas tudo que é para sempre me angustia. Não sei se é por ter medo de morrer, mas o para sempre, o definitivo, me apavora. Só andei uma vez de avião e não gostei. Não por medo que ele caísse ou acontecesse algum desastre. O que me apavorou foi sentir-me preso sem poder saltar onde quisesse. A impotência asfixia-me.

Sei que não devia ser assim, mas não consigo ser de outra forma. E o que me angustia ainda mais é a certeza de que nunca mudarei. Se pudesse mudar, já teria mudado há muito tempo.

Depois de Jussara apareceu Ana Carolina. Como poderia ter aparecido Marivalda, Jocirelma ou Maria Aparecida. Mas foi Ana Carolina que, por acaso, sentou do meu lado no Pathé, num filme de Fellini. Saímos do cinema apenas conversando, Ana Carolina exaltando Oito e Meio e eu contrapondo Os Boas Vidas. Mas foi bom, Ana Carolina também não gostava de nada para sempre. Gostava de cinema e de livros, e gostava, acima de tudo, de ser livre. Terminamos a noite na casa dela e todas as noites nos encontrávamos.

Eu gostava do jeito dela. Era o meu jeito. Só que, com o passar do tempo, o medo de perdê-la apavorou-me. Ela ria, ainda tem muito filme prá gente ver, Eduardo. Era verdade. Mas a verdade era o que menos me importava. O importante era acabar com o meu medo. E tanto pedi, tanto insisti que, um dia, ela deixou de rir e veio morar na minha casa. Mas não adiantou. O medo continuou. Não sei se ainda gosta de Antonioni e de Fellini ou se ainda mora só. Nunca mais nos encontramos.

Depois de Ana Carolina vieram outras Anas Carolinas. Veio Célia e veio Cida e, depois, veio Marjô. Célia em meio ano, e Cida e Marjô em menos de três meses. Mas nada mudou. Nenhuma delas gostava de cinema, nem de livros, e eu não gostava de dançar. Depois veio Jaqueline, mas também nada mudou. Eu não sabia ser outro e não podia piorar a vida dela. Nem a minha.

Meu padrinho morreu, mas não morreu. O meu barraco está igual ao quarto dele, cheio de fotografias pregadas nas paredes. E eu gostava de ficar lá e pensar no que faria quando pudesse ver o mundo de mil maneiras diferentes. Como meu padrinho via minha madrinha e me fazia ter mil madrinhas diferentes.

Sentava no chão e olhava. Só olhava. Mas olhava tão fixo que, quando os meus olhos doíam, as fotografias despregavam das paredes e eu tinha certeza que podia tocá-las, se quisesse. Nunca quis. Mas só a certeza que poderia fazê-lo já me deixava feliz. E conversava com elas e elas também conversavam comigo e não riam, nem diziam que eu era bobo. Falavam como meu padrinho falava, garoto, você tá certo. Você pode ser o que quiser, se você quiser.

Marianinha não gostava das minhas certezas e deixou até de me beijar e de meter as mãos dentro das minhas calças, mas eu não me importei. Dentro do meu barraco era eu que decidia e ninguém mais existia além de mim e das certezas.

Às vezes, nas horas de mais silêncio, ou de mais medo, ainda penso nas minhas certezas, e nas minhas decisões. Mas não tenho mais a quem contá-las. O barraco apodreceu, abandonado, e troquei Marianinha por nada. Um homem nunca é nada ele sozinho. Nem livre, nem verdadeiro. A liberdade e a verdade, quem determina são os outros.

13

Quem que disse que Eduardo morreu, porra? Só se o mataram, caralho. Mas, se o tivessem matado, Maurício e a Jaqueline já saberiam e já me teriam avisado.

Gente, quê que há? Eduardo morreu merda nenhuma. Que ele sempre foi um camarada meio estranho, fechadão, isso é verdade. Mas, daí a ter morrido, isso eu duvido. Sinceramente, gente, eu não acredito que Eduardo tenha morrido. E não acredito, sabe por quê? Porque não dá pra acreditar. Quem pensa como Eduardo pensa só pode morrer se Deus der um cochilo. E, que eu saiba, Deus não cochila, se cochilasse, hoje eu não seria o que sou, entendeu? Seria a porra fodida dum economista de merda, puta que pariu.

Pra falar a verdade, até que eu quis ser economista. Quis mesmo. E ralei pra caralho, pra conseguir entrar na faculdade, mas, graças a Deus, me livrei da tentação. Graças a Deus e às mamas da Jaqueline dos Melões.

Quando conheci Eduardo ele dava aulas no cursinho do vestibular. Naquele tempo eu era foda, acreditava nos governos e tinha certeza que os valores da ordem constituída eram sagrados. Tinha tanta certeza, que me filiei à porra da ARENA, assinei a Gazeta Mercantil, meti os cornos na merda das apostilas e não bebia, não fumava, nem andava com mulheres. Quer dizer, era um fodido.

Acreditava tanto naquela merda, que comprei um terno jaquetão quando entrei na faculdade. O que Eduardo riu daquele terno, puta que o pariu. Mas eu nunca me importei, se há coisa que eu prezo é amizade, entendeu? Só ficava puto, mesmo, era quando aquela filha da puta daquela mulher do Maurício cagava opinião, ô mulherzinha fodida. O resto, pra mim, era besteira, mas que eu gostava daquela porra daquele jaquetão, gostava mesmo.

Pode parecer até bobagem, mas eu sempre acreditei nos motivos. Tudo que acontece, acontece por um motivo. Quer ver? Se não fosse a Jaqueline dos Melões, quê que eu seria hoje? Um fodido, um porra-louca de um economista, com a cuca entupida de calmantes ou de pó, e pra quê, hem?, só pra me foder.

Por isso, eu digo, sempre disse e sempre digo, aprendi muito com Eduardo, aprendi mesmo. Muitas coisas eu só vim a entender muito depois, mas aprendi pra caralho. Pensa bem, Belizário, dizia ele, a única coisa de valor que você tem, é a sua liberdade. Ninguém te pode destruir, podem até te matar, mas ninguém te pode destruir, mas você mesmo se destruirá se abjurar a sua liberdade. Cada um deve fazer sempre aquilo que acha que é certo, nunca esqueça. E eu nunca esqueci. Por isso, hoje, eu sou o que sou, um cara sem caraminholas na cabeça.

Mas, naquele tempo, eu achava até piada, como ninguém me pode destruir? Um tiro nos cornos e babau. Meu irmão, naquele tempo, a porra dos valores constituídos era foda. Eu só não ia à missa, nem me confessava, que, de resto, vou te contar. E cagava no lero-lero de Eduardo, cara, o importante não é o que a gente pensa, o importante é o que a gente deve pensar, entendeu? Se não fosse assim, não haveria ordem e tudo seria permitido. Quando eu dizia isto, gente, o bicho sapateava, Belizário, Belizário, porra, se você abjurar a sua liberdade, os outros fazem o que querem e tudo fica permitido, entendeu? Eu não entendia, eu queria era ser economista e, ó, caía de pau em cima dele. E os motivos? Você não pode esquecer os motivos, não, meu irmão. Tudo que acontece, acontece por um motivo. Quer ver? A gente veio aqui por quê? Porque tem um motivo, seja pra tomar um porre, seja pra dar uma bimbada, ou você pensa que a gente tá aqui por quê, hem? Aí, meu irmão, Eduardo estourava, foder outro, tá, Belizário? Mas eu ria e quê que ele podia fazer? Pra isso a gente era amigo, entendeu?

Depois foi Maurício. Eu não era daqui e não acamaradava, de jeito nenhum, com a carneirada da faculdade, entendeu? Aí, Maurício entrou na jogada e a coisa entrou nos eixos. E ficamos todos amigos. Mas, mesmo assim, no começo a minha vida pouco mudou, eu era mais novo e era de casa prás aulas e das aulas pra casa. Eles gostavam de zonear e eu, já viu, não bebia, não fumava e nunca tinha entrado num puteiro. Quer dizer, além de fodido ainda era punheteiro, entendeu?

Mas, uma noite, Eduardo me pegou, cacete, Belizário, vamos à vida, porra. E lá fomos prum tal de Vaca Atolada. E vou dizer uma coisa, foi lá que a minha vida se salvou. E, salvou, sabe por quê? Porque foi naquela noite que eu conheci a Jaqueline dos Melões, um par de mamas, cara, que eu vou te contar, do caralho.

Bebi feito que nem gambá, mas valeu, valeu mesmo, puta merda. Cancelei a porra da assinatura da Gazeta, e mandei a economia e a ARENA à puta que as pariu. Meu irmão, as mamas da Jaqueline valiam mais do que aquelas porras todas, entendeu? E, aí, já viu, sempre que Eduardo discordava, quando eu falava dos motivos, eu ria e mostrava os melões da Jaqueline, ó, ó, só, se não fosse estes motivos, meu irmão, hoje eu seria um porra-louca, puta merda.

Era brincadeira, mas é verdade, quando a gente arruma um motivo, a gente faz o caralho, faz mesmo. Agora, o que eu posso dizer dessa besteira do Eduardo ter morrido, se é que não foi tudo armação daquela filha da puta daquela mulher do Maurício, é porque, vai ver, ele nunca arrumou um motivo que segurasse a barra dele, entendeu? Porque, na hora que arrumar, gente, vocês vão ver, ninguém segura esse cara. Nem Deus. Vai por mim, que eu conheço a figura, viu? Só vai morrer no dia em que o mundo acabar, entendeu?

14

Na semana passada aceitei uma imposição que, agora sei, não devia ter aceito, e o resultado foi péssimo. Lúcia telefonou segunda-feira de manhã e disse que me queria ver naquela noite. Estranhei. Como sempre, tínhamos passado a tarde de domingo no apartamento dela e, também como sempre, Lúcia falou do grupo de teatro, falou da pesquisa do livro de medicina social, falou das reuniões do Partido dos Trabalhadores e reclamou da minha ausência. Mas despiu-se e deitou-se, e calou-se logo que me encaixei nas pernas dela. Por isso, estranhei o telefonema. Mas ela insistiu tanto que não pude recusar.

E foi uma merda, Lúcia xingando, eu chamei você aqui prá gente decidir, te ver uma vez por semana, e só pra dar uma trepada, não me interessa, tou com quarenta e cinco anos e, pra mim chega, agora, ou você resolve, ou eu resolvo, ou você fica comigo de uma vez, ou eu arrumo outro, entendeu?

Como sempre, esperei que Lúcia se despisse e se deitasse. Logo que me encaixasse nas pernas dela as reclamações acabariam. Lúcia sempre reclamou. Do grupo de teatro, que nunca se reunia, nem montava nenhuma peça, da pesquisa do livro, que não andava porque não havia dados disponíveis, das reuniões do partido, que nada resolviam, e de mim, que nunca decidia, nem a deixava decidir.

Há anos que Lúcia reclamava. Mas sempre se despia e se deitava, e se calava logo que eu me encaixava nas pernas dela. Por isso, me espantei quando não falou do grupo de teatro, nem da pesquisa do livro, nem das reuniões do partido e não se despiu, nem se deitou e meteu um dedo na minha cara, ou você dorme aqui hoje e amanhã traz as suas coisas, ou eu vou dormir na sua casa e levo as minhas.

Não era a primeira vez que Lúcia dizia isto, com as mesmas palavras e com a mesma intensidade, e desta vez não seria diferente. Mas, para meu espanto, Lúcia, levantou-se e abriu a porta do apartamento, ou, então, pode ir, agora.

15

Coitado de Seu Eduardo, eu não devia falar, não, mas eu tenho pena dele, sabe? Tem hora que não entendo nem como é que pode, esse trem de signo pegar mulher e paixão virar não sei o quê, coitado de Seu Eduardo. Ele ri do que eu falo, mas só eu sei o que ele sofre, sabe? Jaqueline, Jaqueline, diz ele, não adianta, Jaqueline, cada um é como é e fim. Eu sei que cada um é como é, eu também sou assim. Mas eu sou assim porque não posso ser doutro jeito, mulher feito que nem eu é sempre puta, mesmo depois de morta ainda é puta, Deus que me perdoe. Agora, Seu Eduardo, sabe o quê que ele precisava? Ele precisava era dar um jeito na vida, sabe? A gente, quando fica muito só, não perde só a cabeça, não, perde tudo.

16

Foi na bilheteria do cinema Belas Artes Liberdade que conheci Anna Galiena. As fotografias dela me deslumbraram. Com aquela bata branca, justa, e os seios sobrando no decote, não era de espantar que Antoine cumprisse o que tinha prometido.

Comprei a entrada e olhei outra vez Anna Galiena, debruçada no balcão da caixa e sorrindo para Jean Rochefort, sentado no sofá. Não sei como, nem por quê, mas, de repente, aquele sorriso me lembrou Marianinha. Marianinha era menina, mas também sabia debruçar-se no muro do quintal e sorrir como Anna Galiena. Só que, o que eu queria, naquele tempo, não era casar com qualquer Anna Galiena. Era olhar o mundo e vê-lo de mil maneiras diferentes.

Ainda era cedo e poucas pessoas sentavam pelo bar. E só uma olhava as prateleiras da livraria, no fundo do saguão. Eu não sabia que o Belas Artes Liberdade tinha bar e, muito menos, livraria, e fui olhar as novidades. Gosto de livros. Mas gosto de livros como gosto de filmes. São os autores que me interessam, não os gêneros.

Não encontrei nenhuma novidade e voltei ao bar. Sentei-me e acendi um cigarro, e chamei um garçom e pedi uma cerveja. Num dos cartazes Anna Galiena continuava sorrindo e olhando para mim. Mas não era para mim que ela olhava. Ela olhava para Jean Rochefort, num cartaz ao lado, que também sorria e respondia ao olhar dela.

Desviei os olhos. Aquele olhar incomodou-me. Lúcia também sorria e olhava para mim, mas eu nunca consegui responder ao olhar dela. Lúcia, Jaqueline, Ana Carolina, Jussara, até Célia e Cida e Marjô. Todas sorriram e olharam para mim, mas eu nunca consegui responder ao olhar delas.

Puxei uma tragada e olhei as mesas vazias, e uma sensação de frio me fez estremecer. Mas não era de frio que eu tremia, eu sabia. Era de medo. Quando a sessão terminasse e eu saísse do cinema, poderia sentar outra vez naquela mesa ou ir direto para casa. Ou até para qualquer outro lugar. Só que ninguém mais me esperaria.

O erro não foi de Lúcia, como não era de Jaqueline, nem tinha sido de Ana Carolina, nem de Jussara. Nem de Célia e de Cida ou de Marjô. Nenhuma delas tinha errado. O erro era meu. Tinha trocado Marianinha por nada e nunca mais conseguira destrocar.

Puxei uma tragada profunda e fechei os olhos, e deixei o fumo expandir-se nos pulmões. Agora, também, nada mais importava. O Marido da Cabeleireira começaria dentro de minutos e eu estava ali para assisti-lo.

17

A decisão de Lúcia não doeu, mas deixou marcas. Se, por um lado, me libertou de um ato que já se tinha tornado, praticamente, obrigatório, por outro lado, coagiu-me. E coagiu-me porque me obrigou, também, a decidir.

Lúcia nunca mudou. Sempre reclamou as mesmas coisas, do mesmo jeito, e, por isso, eu sempre tive certeza que ela falava só por falar. Como se o futuro só pudesse acontecer se não deixasse de falar nele. Por isso, me espantei naquela segunda-feira. Eu jamais tinha pensado que Lúcia fosse capaz de decidir. Mas ela decidiu-se. Ao invés de se despir e se deitar, como sempre fazia, levantou-se e abriu a porta do apartamento e apontou-me a saída, ou, então, pode ir, agora.

O que me coagiu não foi o fato de Lúcia me impor uma opção. O que me coagiu foi, justamente, a decisão. Aquele agora. Por causa dele eu também tinha que decidir. Se Lúcia tinha conseguido libertar-se, eu também tinha que me libertar. O agora de Lúcia era também o meu agora. O medo que eu tinha do passado não podia ser maior do que o medo que ela tinha do futuro. Por isso, a decisão deixou tantas marcas.

18

Anna Galiena ainda sorria e olhava para mim, e os seios ainda sobravam no decote. Mas eu não era Antoine e jamais cumpriria a minha decisão. O mundo que eu olhei nunca mudou. Por mais que tivesse desejado, nunca consegui vê-lo de mil maneiras diferentes. Na realidade, nem da minha maneira consegui. Sempre vi o que me era mostrado, nunca o que eu queria ver.

Um homem nunca é nada ele sozinho. Nem livre, nem verdadeiro. Mas julga-se cada vez mais independente e mais dono da verdade. Hipócrates e Galeno não curavam resfriados e Aristóteles não sabia que, se todos os metais conhecidos eram sólidos, nem todos os metais a conhecer teriam que ser sólidos. E se Protágoras também desconhecia que o Universo se expandia e tinha alguns buracos negros, sabia que o homem era a medida de todas as coisas.

Eu caminho pelo Cosmo e meço todas as distâncias, e transformei o mundo numa aldeia. Mas nada mais conheço de mim do que Protágoras conhecia de si mesmo. E também não curo resfriados. Sei, apenas, que nem todos os metais conhecidos são sólidos e faço tudo com maior velocidade. Consigo até bilionesimar o tempo de cada dia e configuro o Universo numa equação matemática. Mas, na contrapartida, também destruo tudo que faço na razão direta da velocidade dos meus cálculos. O que milhões de homens fizeram com clavas, com espadas e com fuzis, eu faço, sozinho, com uma bomba. E em segundos.

Fissuro o átomo e esquadrinho quasares a 14 bilhões de anos-luz, e a clonagem humana já não é mais ficção. Mas, a mim mesmo, nada de positivo acrescentei. Apesar de toda a minha pompa e circunstância, apenas consigo estar presente. Como estão presentes as pedras que piso nos caminhos. Só que elas existem desde o começo do tempo e continuarão existindo até ao fim do tempo, e eu desaparecerei quando morrer. Cada vez mais só e com mais medo, e muito mais angustiado. Porque, a cada dia que passa, mais e mais sou obrigado a justificar que ainda existo. Na era do bilionésimo de segundo o meu próximo não existe. Não há tempo de encontrá-lo.

Os otimistas dizem-me que sou a mais perfeita criação da Natureza. Mas eu sei que não sou. Eu sou, apenas, a mais iludida criação da Natureza. Um mosquito pousa no meu ombro e viaja de graça o tempo que quiser, e eu nem de graça posso viajar. Se entro num táxi, ou num ônibus, tenho que pagar. Ou, então, mato o motorista e tomo o lugar dele.

Na verdade, mesmo tendo matematizado o Big-Bang e o Big-Crunch e esquadrinhado quasares a 14 bilhões de anos-luz e descoberto buracos negros nos confins do Infinito, e sabendo também a idade do primeiro gelo da calota do Polo Sul e o tamanho do culicis galapagus, espécie extinta do mosquito das tartarugas gigantes do Pacífico, cada vez menos sei de mim. Se já fui a medida de todas as coisas, hoje sei apenas que daquilo que não se pode falar, deve-se calar.

A porta do Terceiro Milênio está aberta, mas todas as minhas certezas são só uma. Um dia, morrerei. Na minha cama ou na cama de alguém, ou vendo um filme numa das galáxias do quinteto de Stephan ou no cinema Belas Artes Liberdade. Com ou sem bigs, com ou sem universos expandidos ou buracos negros sugando qualquer força. O resto, faça eu o que fizer, diga eu o que disser, continuará sendo como é. Anna Galiena continuará sorrindo e olhando para Jean Rochefort, embora eu diga que ela sorri e olha para mim, aqui sozinho nesta mesa, esperando que Antoine me mostre como se pode ser feliz.

Nem percebi quando o garçom trouxe a cerveja. Quando olhei a mesa, a garrafa estava aberta e a espuma escorria pelo copo. Mesmo sem sede e sem vontade bebi um gole, e ia beber outro e Anna Galiena sai do balcão da caixa e vem ao meu encontro. Mas não era Anna Galiena. Quem vinha ao meu encontro era Marianinha Galiena, que também sorria e olhava para mim.

19

Encontrei Maurício ontem. Por acaso. Não assisti O Marido da Cabeleireira e não queria ficar mais no Vaca Atolada. Também não queria ir para casa e não tinha outro lugar para onde ir. Belo Horizonte não é a maior cidade do mundo. Mas é a maior cidade do mundo quando não se tem para onde ir. Ou não se quer ir para onde pode.

Maurício estava na esquina da Avenida Afonso Pena, parado, indiferente ao vento e ao barulho do trânsito, sem olhar para ninguém, como se também não quisesse ir para casa e também não tivesse outro lugar para onde ir. Não queria falar com ele, mas falei. E acabei voltando para o Vaca Atolada.

À meia noite o Vaca Atolada está sempre cheio. As mulheres e os homens rindo e bebendo, e os cafetões conversando na calçada. O Vaca Atolada é um dos muitos botecos da Rua da Bahia e sempre foi o nosso ponto de encontro desde os tempos da faculdade. Só tem uma porta e parece um corredor, e, quando enche, os garçons colocam cadeiras e mesas na calçada. Os cafetões sentam nas mais próximas da porta e fiscalizam as saídas das mulheres. Os quartos ficam na Rua Guaicurus e cada mulher tem duas horas por freguês. Se ficar a noite inteira paga três saídas. Maurício não parecia bem e, sem falar, bebeu quase metade da garrafa de conhaque.

- Você já tá pensando que eu tou bêbado. Mas eu não tou bêbado, não.

Não respondi. Maurício sempre dizia aquilo quando bebia, depois de Marta brigar com ele. Bebi um gole e acendi um cigarro, e puxei algumas tragadas em silêncio. Maurício olhava-me, gotas de suor escorrendo pela testa e pelo rosto. Bebeu mais um gole e baixou a cabeça, e ficou olhando o copo com o resto do conhaque. Ficou assim algum tempo e, de repente, puxou uma tragada profunda e soprou o fumo com força.

- Vou casar.

Continuei calado. Maurício olhou-me e jogou o cigarro no chão, num gesto brusco. Tinha um ar infeliz e olhava-me como se eu pudesse ajudá-lo. Mas eu não podia ajudá-lo. Ninguém podia ajudá-lo. Marta já tinha decidido e ele só queria justificar-se.

- Você sabe. Tou com Marta desde que fundamos o Plano Inclinado e...

Calou-se e bebeu o resto do conhaque, e ficou olhando o copo vazio.

- Você sabe o que é que acontece, agora, quando a gente vai prá cama?

Não respondi e ele encheu o copo e abanou a cabeça, devagar.

- Não acontece mais nada. Agora, a gente só trepa, Eduardo.

Calou-se e olhou-me durante algum tempo, e, devagar, passou as mãos no rosto.

- Sabe o que é que eu tenho pensado? E quando acabarem as trepadas? Você já pensou a gente...

Calou-se de novo, o suor escorrendo pela cara e a pele parecendo um pedaço de cartolina amarrotada.

- Se a gente não casar agora...

Respirou fundo e balançou a cabeça, devagar.

- Os tempos mudaram, Eduardo. Hoje em dia...

Maurício calou-se e eu também não respondi. Não sabia o que dizer-lhe. Lúcia também, muitas vezes, me dizia a mesma coisa e eu também não sabia o que dizer-lhe. Sabia que o futuro era o que menos importava. Mas o futuro só não importava para mim. Para Lúcia sempre fora uma obsessão e para Maurício sempre tinha sido uma incógnita. Mas o resultado era o mesmo. Ambos o temiam e eu não. Esmaguei o cigarro no cinzeiro e bebi o resto do conhaque.

- Vamos?

Maurício não respondeu. Bebeu mais um gole e acendeu um cigarro.

- Lúcia também tá sempre perguntando o que vai ser da vossa vida?

- A gente separou.

Maurício olhou-me, como se não acreditasse, e, depois, abanou a cabeça com força.

- Então, é a mesma merda. É sempre a mesma merda.

20

Naquela noite, Jaqueline dos Melões sabe que Eduardo não vai trepar. Mas, mesmo assim, deita-o e despe-o, e despe-se também e deita-se junto dele. Tinha-o encontrado no Vaca Atolada, já de madrugada, e Eduardo bebia a última dose de uma garrafa de conhaque, já meio bêbado.

- Seu Eduardo, pelo amor de Deus.

Eduardo não a olha, nem responde, e Jaqueline dos Melões arrasta-o para a rua. Chama um táxi e leva Eduardo com ela. Naquela noite Belizário não dormirá com Jaqueline dos Melões. Mas ela não se preocupa. Nem Belizário. Ambos sabem que Eduardo só toma porre quando não sabe mais o que fazer.

Eduardo deixa-se despir, sem uma palavra e sem um gesto, e Jaqueline dos Melões também não fala. Nem apaga a luz. Há muito sabe que Eduardo não gosta de dormir no escuro. Deita-se de lado, voltada para ele, a cabeça apoiada num braço e o outro estendido sobre o corpo. Jaqueline dos Melões sabe que Eduardo gosta de olhar os seios naquela posição. Um por cima do outro, caídos no lençol. Coitado de Seu Eduardo, tomara que dê um jeito e largue dessas bobeiras. Signo não pega mulher e paixão não vira não sei o quê, não, meu Deus do céu.

Um carro sobe a rua devagar e faz a volta, e a luz dos faróis entra pela janela e bate na parede. Eduardo olha Jaqueline dos Melões. Já faz tempo que ela adormeceu, mas ainda continua na mesma posição. Deitada de lado, a cabeça apoiada num braço e os seios, um por cima do outro, caídos no lençol. Eduardo toca no de cima e a mão de Jaqueline sobe pelo corpo e coça no lugar. Os dedos afundam na carne mole e o seio abana, e Eduardo sente o sexo endurecer.

Lúcia também sabia que Eduardo gostava de ver os seios dela naquela posição. Um por cima do outro, caídos no lençol. Mas Lúcia não parava de falar. Só parava quando Eduardo se encaixava nas pernas dela. E, aí, os seios já não caíam no lençol.

Jaqueline dos Melões pára de coçar o seio e a mão fica caída em cima dele, comprimindo os dois contra o lençol. Eduardo sente um calor subir pelas virilhas e espalhar-se pelo ventre, e deita-se também de lado. Muitas vezes já deitou assim com Jaqueline. Só olhando os seios caídos no lençol. Com cuidado, afasta a mão dela e encosta a cara neles. Respira fundo e fecha os olhos, e deixa o corpo relaxar. Quando Jaqueline acordar saberá o que fazer. Lúcia também sabia. Mas Lúcia só se calava quando Eduardo se encaixava nas pernas dela. E, aí, os seios já não caíam no lençol.

Jaqueline dos Melões respira fundo e recosta-se na cama, e olha Eduardo, satisfeita. Eduardo, o corpo ainda coberto de suor, puxa uma tragada profunda e deixa o fumo sair, devagar, pelo nariz e pela boca. Jaqueline sorri.

- Pôxa, Seu Eduardo. O senhor hoje, hem?

Eduardo não responde, os olhos fixos no fumo do cigarro, subindo, devagar, até ao teto. Jaqueline dos Melões cruza os braços e os seios unem-se e levantam-se, e parecem ainda maiores. Coitado de Seu Eduardo, tomara que largue logo desse trem bobo de signo pegar mulher e paixão virar não sei o quê.

O dia já nasceu e o barulho da rua bate na janela. O ar do quarto está quente e abafado, e cheira a fumo de cigarro e a suor, mas nenhum dos dois parece perceber. Ainda estão nus e ainda estão imóveis, mas há muito que não falam. Jaqueline dos Melões sentada na cama e Eduardo com a cabeça deitada no colo dela. Um carro passa na rua e buzina, e um gato mia no corredor. Jaqueline dos Melões respira fundo e olha os corpos refletidos no espelho manchado da porta do guarda-roupa.

- Seu Eduardo, aq...

A voz sai baixa e rouca, e ela pigarreia.

- Aquilo que o senhor falou de signo pegar mulher e paixão...

- O q...

A voz de Eduardo também sai baixa e rouca, e ele também pigarreia.

- O quê?

- Aquele trem de signo pegar mulher e paixão virar não sei o quê. O senhor não pode falar mais isso, não.

Jaqueline dos Melões faz uma pausa e abana a cabeça com força.

- Não é verdade, não, Seu Eduardo.

Eduardo olha os seios suspensos por cima do rosto e fecha os olhos.

- Você sabe o que é a verdade, Jaqueline?

Jaqueline dos Melões encolhe os ombros e sorri.

- Ah, Seu Eduardo, a verdade é o que a gente tem. O resto...

Eduardo não responde e Jaqueline também não diz mais nada. Fecha os olhos e respira fundo, e envolve a cabeça de Eduardo com as mãos. Eduardo não se mexe. A verdade é o que a gente tem? E a mentira? É o que a gente não tem? Eduardo levanta as mãos e suspende os seios, e acaricia-os, devagar. O gato volta a miar no corredor e arranha a porta, mas nenhum dos dois presta atenção. Ambos pensam no que não dizem e farão, outra vez, o que menos importará.

 

Cunha de Leiradella nasceu na Serra do Gerês, em Portugal, quase fronteira com a Espanha.

Publicou o romance O longo tempo de Eduardo da Cunha Júnior (1981), Inúteis como os mortos (1985), Cinco dias de sagração (1993),Os espelhos de Lacan (2004), entre outros. Escreveu também o roteiro de  longa-metragem O circo das qualidades humanas.

Cunha de Leiradella
Casa das Leiras . São Paio de Brunhais
4830-046 - Póvoa de Lanhoso
Portugal
Telefone: 253.943.773

leiradella@sapo.pt

 
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