CUNHA DE LEIRADELLA
Os espelhos de Lacan . Romance

INDEX

Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa
OS ESPELHOS DE LACAN
Considerações sobre graus dissociados
O objeto e os espelhos
O objeto e as imagens (a)
O objeto e as imagens (b)
O objeto e as imagens (c)
O objeto e as imagens (d)
Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa (cont. e FIM)

Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa (cont. e FIM)

Não deixou nenhuma carta, nenhum aviso, nenhuma despedida. E também nada foi encontrado que justificasse, ou esclarecesse, o motivo da sua morte.

Amontoados em cima da mesa-de-cabeceira, havia apenas um isqueiro, um maço de cigarros, uma carteira de identidade e duas caixas vazias de Frontal. E, enrolada debaixo da nuca, como a servir de travesseiro, embora na cama houvesse um travesseiro, uma jaqueta velha de jeans.

Nenhum parente ou amigo, ou conhecido, se apresentou no Instituto Médico Legal para reconhecer o cadáver e os jornais também não fizeram nenhuma referência ao ocorrido. Oficialmente, portanto, apesar da morte anunciada, Eduardo da Cunha Júnior não morreu ou morreu com outro nome.

Na verdade, leitor, esta é apenas a história, e história absolutamente linear, de Eduardo da Cunha Júnior que você leu. Agora veja que leitura poderia ser feita se você pudesse pegar o seu mouse e pudesse viajar no hipertexto. Você poderia saber quem era o verdadeiro Eduardo da Cunha Júnior e não o Eduardo da Cunha Júnior que lhe mostraram. Você poderia saber por que ele morreu em dezembro do ano que passou e não em outro qualquer mês ou até em outro qualquer ano. Você poderia saber por que ele escolheu aquele quarto do Colégio do Caraça e não um outro quarto qualquer.

Você poderia saber por que era, exatamente, domingo de manhã e não um outro dia e uma outra hora. Você poderia saber por que ele não deixou nenhuma carta, nenhum aviso, nenhuma despedida e não escreveu, com detalhes, todos os motivos que pudessem justificar, ou esclarecer, a causa da sua morte.

Você poderia saber por que ele amontoou em cima da mesa-de-cabeceira um isqueiro, um maço de cigarros, uma carteira de identidade e duas caixas vazias de Frontal, um calmante do tipo alprazolam, e não deixou, apenas, um copo de água ou uma lata de refrigerante ou de cerveja. Você poderia saber por que ele fez da jaqueta de jeans um travesseiro e não preferiu vesti-la ou largá-la no chão ou em cima da cadeira. Você poderia saber por que nenhum parente ou amigo, ou conhecido, se apresentou no Instituto Médico Legal para reconhecer o cadáver e saber também os verdadeiros motivos que levaram os jornais a não fazerem nenhuma referência à morte de Eduardo da Cunha Júnior.

Na verdade, leitor, se na história que você leu, você não fosse guiado, conduzido, obrigado a seguir, apenas, o caminho traçado pelo autor, se você pudesse pegar o seu mouse e pudesse viajar no hipertexto, você poderia conceitualizar a leitura do modo mais adequado às suas convicções: Eduardo da Cunha Júnior existiu realmente, realmente não morreu, ou morreu, realmente, com outro nome?

O Professor DAGOBERTO PALOMAR,

autor do livro A Era do Botão na Travessia do Milênio,

escreve neste espaço na segunda semana de cada mês.

FIM

Cunha de Leiradella nasceu na Serra do Gerês, em Portugal, quase fronteira com a Espanha.

Publicou o romance O longo tempo de Eduardo da Cunha Júnior (1981), Inúteis como os mortos (1985), Cinco dias de sagração (1993),Os espelhos de Lacan (2004), entre outros. Escreveu também o roteiro de  longa-metragem O circo das qualidades humanas.

Cunha de Leiradella
Casa das Leiras . São Paio de Brunhais
4830-046 - Póvoa de Lanhoso
Portugal
Telefone: 253.943.773

leiradella@sapo.pt

 
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