CUNHA DE LEIRADELLA
Os espelhos de Lacan . Romance

INDEX

Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa
OS ESPELHOS DE LACAN
Considerações sobre graus dissociados
O objeto e os espelhos
O objeto e as imagens (a)
O objeto e as imagens (b)
O objeto e as imagens (c)
O objeto e as imagens (d)
Cibergrafia: a 4ª dimensão da narrativa (cont. e FIM)

O OBJETO E OS ESPELHOS
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Eduardo da Cunha Júnior morreu em dezembro do ano que passou. Foi encontrado num quarto do Colégio do Caraça, a pouco mais de cem quilômetros da cidade de Belo Horizonte, num domingo de manhã.

Não deixou nenhuma carta, nenhum aviso, nenhuma despedida. E também nada foi encontrado que justificasse, ou esclarecesse, o motivo da sua morte. Amontoados em cima da mesa-de-cabeceira, havia apenas um isqueiro, um maço de cigarros, uma carteira de identidade e duas caixas vazias de Frontal. E, enrolada debaixo da nuca, como a servir de travesseiro, embora na cama houvesse um travesseiro, uma jaqueta velha de jeans.

Nenhum parente ou amigo, ou conhecido, se apresentou no Instituto Médico Legal para reconhecer o cadáver e os jornais também não fizeram nenhuma referência ao ocorrido. Oficialmente, portanto, apesar da morte anunciada, Eduardo da Cunha Júnior não morreu ou morreu com outro nome.

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Se são necessários cento e cinco grãos de milho para decompor um telescópio e mil e doze telescópios para formatar um coração, quantos signos serão precisos para fundamentar uma mulher e quantas mulheres para deletar uma paixão?

Se são necessários cento e cinco grãos de milho para decompor um telescópio e mil e doze telescópios para formatar um coração, quantos signos serão precisos para fundamentar uma mulher e quantas mulheres para deletar uma paixão?

É ótimo escrever em duas línguas.

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Realmente, é ótimo escrever em duas línguas. Além de ser um biglota, numa escrevo o que penso e na outra o leitor lê o que quer. Ou nem lê. Mas, aí, ler ou não ler, já não é mais uma questão, é só uma opção. To be or not to be ainda é uma questão porque Shakespeare não foi um biglota. Se o velho compadre de Windsor escrevesse em duas línguas, ser ou não ser não seria só uma questão, seria também uma opção. Não precisaria tradução e o traduttore, traditore, seria igual ao Big-Bang. Um fator inseminal.

Mas como Deus não joga na roleta e os números nunca mentem, E = mc ² virou lei (o espaço e o tempo unidos pelos sagrados laços do matrimônio e o universo curvado à pressão dos bons costumes) e acabou o nenhenhém. Eliminado o mau exemplo concubínico, globalizaram-se as consciências e os bordéis e todos se tranqüilizaram e ficaram satisfeitos, e praticaram, sem receio, o novo horário de verão.

Com os taquíons prestes a vencer o páreo da velocidade da luz e as sondas espaciais xeretando os sovacos do alfa-ômega, que importância tem, agora, discutir uma questão ou fazer uma opção? Contados os 100 bilhões de neurônios do cérebro humano e os 100 bilhões de estrelas de cada uma das galáxias e medida a profundidade do buraco negro do quintal do vizinho, o homem sabe tudo. E mesmo que não soubesse seria sempre um homo sapiens. Se o Big-Bang explodiu no início, o Big-Crunch só poderia ranger no final. Igual à arte pós-moderna ou ao sensualismo marsupial dos cangurus apaixonados. Embora a concepção seja um tumulto o resultado é sempre previsível. Cada parte é sempre um todo e o todo é sempre genial.

Configurados os pixels e formatados os estilos, nada mais resta aos biguanes senão pular amarelinha nos confins do Infinito ou jogar golfe nos buracos negros de Cygnus X-1. Ou afinar as tubas e os trombones e reger, mesmo sem batuta, as bandas cambiais. Desde que os diplomas estejam carimbados, não importa em que moeda foram pagos. Na verdade, a verdade sempre foi um pormenor. Só que, por menor que seja a distância, há sempre que atentar para a largura do buraco. Aquila non capit muscas, mas se capit, foda-se, sempre foi assim que se escreveu a História. Os outros que se fodam, après moi le déluge.

Liberado O Diabo na Carne de Miss Jones e outros XXX - Rateds, o pecado deixou de ser original e transformou-se em fator de qualidade. O ergo sum virou um erga omnes e a liberdade um quadrilismo. Como o cogito virou circo quando se formatou o Big-Bang. Tudo graças aos taquíons que hão de vir e aos sovacos do alfa-ômega xeretados pelas sondas.

Só que, assim como não há Chanel que sempre cheire nem merda que nunca deixe de feder, logo, logo, os verdadólogos deletarão tudo que é vontade e a felicidade será vendida nos motéis como se vende Prozac nas farmácias. A expansão do Universo (entre cinco e dez por cento a cada bilhão de anos, de acordo com as medidas mais recentes) desentupirá os capilares e os esgotos e esvaziará todos os pneus, mas a clonagem dos silícios não só facilitará o entendimento do leitor como beneficiará também a minha criação: quando não tiver mais o que dizer, já que escrevo em duas línguas, poderei calar também em dois silêncios.

E sem mais afirmações categóricas, e argumentos baculinos, todos poderão sossegar e dormir na santa paz. Ou não dormir e sair por aí e curtir até um desejo inconfessável. Isto, si parva licet componere magnis e a comparação das coisas pequenas com as grandes não for impugnada por nenhum candidato não eleito ou alguém inventar mais opções.

 

Cunha de Leiradella nasceu na Serra do Gerês, em Portugal, quase fronteira com a Espanha.

Publicou o romance O longo tempo de Eduardo da Cunha Júnior (1981), Inúteis como os mortos (1985), Cinco dias de sagração (1993),Os espelhos de Lacan (2004), entre outros. Escreveu também o roteiro de  longa-metragem O circo das qualidades humanas.

Cunha de Leiradella
Casa das Leiras . São Paio de Brunhais
4830-046 - Póvoa de Lanhoso
Portugal
Telefone: 253.943.773

leiradella@sapo.pt

 
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