Os Reformadores ofereceram, na sua doutrina da salvação, um esquema segundo o qual a salvação se realiza e a identidade pessoal do sujeito humano se afirma. Em cada passo, uma ênfase é posta na prioridade da graça soberana, operando através das implicações da nova aliança e significando uma efectiva intensificação e progressiva identificação com o Cristo. Este esquema chama-se a ordem da salvação, ou a ordo salutis.
Uma sequência típica seria algo assim: chamada, regeneração, conversão, justificação, adopção, santificação, perseverança e glorificação. Em cada passo, ou acto decisivo no processo de salvação, há a transformação da identidade pessoal no tornar-se como Cristo. Evidentemente, a glorificação culminante representa a união escatológica realizada, e, assim, a identificação completa com o Cristo. (Entende-se a “gloria” como significando a presença manifesta e transformadora de Deus na criação, ou na criatura humana).
Os escritos paulinos estão repletos deste género de ensinamentos, por exemplo, o autor da carta aos Colossenses diz: “/E aos santos Deus deu/ também a conhecer a imensa riqueza desse plano para todos os povos. E o plano de Deus é que em vocês está Cristo que é a vossa esperança da glória divina (1: 27-28)”. Ou, mesmo, mais dramaticamente, todo o capítulo 8 dos Romanos fala desta transformação da identidade pessoal em Cristo. Eis um exemplo:
“Todos os que são guiados pelo Espírito são filhos de Deus. E o Espírito que receberam não vos torna escravos nem medrosos, mas torna-vos filhos de Deus. É ele que nos faz exclamar: ‘Abba’, quer dizer ‘meu Pai’. E esse Espírito que ensina ao nosso espírito que nós somos filhos de Deus. /…/ Se sofremos com ele, também tomaremos parte na sua glória (8:14-17).”
Para terminar, completo os versículos de Paulo com alguns versos da poesia de Gerard Manley Hopkins, uma outra fonte de expressão da identidade pessoal ligada ao Cristo, a imagem de Deus invisível, por quem todas as coisas são feitas, e em quem todas as coisas se sustêm. Sobre isso, Hopkins escreveu:
“Each mortal thing does one thing and the same:
Deals out that being indoors each one dwells; Selves – goes itself; myself it speaks and spells
Crying what I do is me: for that I came.
Acts in God’s eye what in God’s eye he is –
Christ – for Christ plays in ten thousand places,
Lovely in limbs, and lovely in eyes not his
To the Father through features of men’s faces.”
E, também, em versos inspirados em 1 Coríntios, acerca da transformação de si em Cristo:
“In a flash, at a trumpet crash,
I am all at once what Christ is, since he was what I am and
This Jack, joke, poor potsherd, patch, matchwood, immortal diamond,
Is immortal diamond.” |