Estudando os fenómenos educativos como sendo de ordem observacional, ou auto-observacional, podemos verificar que eles se dirigem sempre de alguém para um outro (que pode ser o próprio, considerando-se como um outro). São actos que implicam capacidade de distância observacional, em que se confere estatuto ontológico às representações, à linguagem, às crenças que pretendemos que o outro integre. Com efeito, os actos educativos de qualquer tipo ocorrem sempre no pressuposto de que o conteúdo informacional, ou os modos de comportamento, que pretendemos ver integrados pelos outros, são verdadeiros ou pelo menos os mais correctos; eles encontram-se corroborados pelas crenças, pelo paradigma científico e pela cultura do educador que acredita que o que transmite possui um estatuo ontológico, pelo que advém daí a sua dimensão de veracidade.
Nem sempre, porém, os actos educativos desencadeiam processos de aprendizagem, ainda que possam ser simulados enquanto tal. Com efeito, quando o (auto)observador lida com o seu par da unidade composta como se ele/a fosse uma entidade neutra, uma mera tabula rasa disponível para assimilar o que lhe está a ser transmitido, o que se verifica é um processo de recusa orgânica por parte do sujeito em causa em integrar o que lhe é proposto. Isto acontece frequentemente no contexto da educação não formal, por exemplo no âmbito do multiculturalismo. Quando populações de culturas diferentes não conseguem constituir-se como nicho uma da outra em algum domínio (na construção de um projecto comum específico), o que é proposto como educativo surge como demasiado estranho e ameaçador para ser considerado como possível elemento de aprendizagem.
Um organismo pode por vezes permitir que o seu padrão de significação do mundo seja perturbado com uma variável que ele recusa auto-organizacionalmente; essa permissão ocorre, porém, apenas momentaneamente, sendo que rapidamente a elimina, ou seja, não aprende. Esta situação é facilmente detectada ao nível do subsistema educativo escolar e ela ocorre porque os organismos em questão consideram a variável “ter bons resultados num exame” como sendo importante para a sua auto-organização, o que é diferente de considerar que o conteúdo informacional proporcionado por uma disciplina seja importante para a construção e compreensão auto-organizativa daquelas pessoas.
Temos então que os sujeitos só são educáveis se o outro for um seu nicho, e isto significa que tudo se gera na relação interpessoal que se estabelece. A educação que pretende resultados de aprendizagem num outro (ou em si próprio) terá que assentar na confiança e na paridade co-construída em micromundos (Varela, 1995) em que se assume que “ninguém ensina ninguém; os homens educam-se em comunhão” (Freire, 1975).
Os seres humanos são sistemas auto-organizados que seleccionam as suas fontes de perturbação e, quando não o conseguem, ou quando se enganam, eliminam logo que possível essas fontes de perturbação não integradas e convertidas em mais-valia, quer em termos de manutenção de processos de constituição de significação, quer em termos de complexificação desses processos.
Qualquer tipo de educação (formal, não formal e informal) apenas resulta em aprendizagem quando o sujeito a consegue pôr ao serviço da construção da sua identidade pessoal, quer reforçando a percepção que o indivíduo possui de si mesmo, quer introduzindo variáveis novas nessa percepção, mas garantindo sempre alguma continuidade com a percepção de si próprio já existente. Imaginemos, por exemplo, uma situação de educação não formal sobre métodos anticoncepcionais com mulheres de zonas rurais isoladas; torna-se necessário começar este processo que se quer educativo por ter conhecimento sobre as práticas e compreensão que estas mulheres possuem sobre aquilo de que lhes vamos falar, por muito estranhas que essas práticas e concepções nos possam parecer. Toda a nossa informação terá maior probabilidade de se transformar em aprendizagem efectiva se a soubermos cruzar com a cultura que as mulheres em causa já possuem sobre práticas anticonceptivas.
As concepções educativas internacionais que alicerçam os sistemas educativos da maior parte dos países do mundo (incluindo Portugal) encontram-se na Declaração da UNESCO de Nairobi (1975), onde a educação foi definida como sendo permanente e comunitária.
O objectivo da educação permanente e comunitária de seres humanos permeia a questão da construção processual de identidades pessoais, ao afirmar-se que cabe aos responsáveis pelo sistema educativo (e respectivos subsistemas) a promoção do desenvolvimento harmonioso de todas as capacidades de cada ser humano e assegurar que o resultado desse desenvolvimento seja colocado ao serviço as comunidade na qual ele se insere.
Assim, ainda que a construção de uma identidade pessoal se gere ininterruptamente num sujeito, ela verifica-se a simultaneo com os outros que constituem o seu nicho, isto é, aqueles que constituem o mundo de sentido para o sujeito. Aos educadores cabe preparar o caminho, criar condições estruturais tão variáveis como a existência dos sujeitos em microcosmos de afectos expressos e partilhados em qualquer forma que a instituição família se possa constituir, ou como assegurar os recursos materiais que possibilitem o desenvolvimento de um padrão de significação, base de qualquer identidade pessoal.
Aos educadores cabe sobretudo a tarefa de se tornar nicho, de ser também educando, num processo permanente de construção comum de autonomia, liberdade, acção e responsabilidade pelas comunidades nas quais nascemos e nas que constituímos, ou poderemos constituir.
Tornar-se nicho de alguém ou de uma comunidade só se consegue pela autenticidade, pela vontade espontânea de o fazer, dado que tentativas forçadas são facilmente detectadas pela dimensão analógica (Bateson, 1980), não verbal e cinestésica na qual se alicerçam as relações animais, incluindo as humanas. Por vezes esta dimensão comunicacional é facilmente ignorada pelos educadores, o que é muito grave, dado ser na linguagem não verbal que assenta toda a possibilidade de aceitação do conteúdo da dimensão digital (verbal e escrita) do discurso do educador. Todos sabemos que não aceitamos o conteúdo da mensagem de alguém de quem não gostamos, ainda que seja muito sensato e ainda que possamos aparentar aceitar esse conteúdo se, por exemplo, essas pessoas detêm algum poder (efectivo ou imaginário) de tipo social nas nossas vidas. As instituições de tipo profissional estão repletas destes exemplos e daí que não se consiga trabalhar em equipa, ainda que se passe muito tempo em grupo preparando actuações em conjunto (Oliveira, 2002).
Treino na área da comunicação não verbal tem sido continuamente referido como sustentando o estabelecimento de relações de confiança em educação; a dimensão cinestésica nos seres humanos tem origens biológicas e é portanto o canal de comunicação por excelência para co-construímos, educandos e educadores, momentos de aprendizagem enriquecedores de identidades pessoais (Oliveira, 1999b). |