As duas culturas: o cruzamento dos saberes (in)sustentáveis |
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Index |
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O que é um objecto? |
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A epistemología clássica pressupõe que há de um lado o mundo das coisas, dos objectos da natureza e do outro o dos sujeitos e das representações. A epistemologia tenta resolver a questão que resta e que se pode colocar nestes termos: como obter a adquação entre estes dois mundos que previamente separamos, designando uma esfera que seria a do real e uma outra o seu pálido reflexo? Esta questão é para Bruno Latour uma questão mal posta. A natureza, os objectos, o real nunca se manifestam enquanto tais mas são sempre representados. Não há paisagem natural, diz Alain Roger (1997). A natureza está sempre já construída e informada pela cultura. Nunca vemos o real, a natureza ou as coisas em pessoa, mas sempre e unicamente aqueles que falam em seu nome, os seus porta-vozes, ou representantes. O microbiologista ou o microfísico que fala de bactérias ou partículas elementares não é diferente dos homens políticos que evocam o povo, o proletariado, os excluídos, os emigrantes ou os homossexuais. A natureza só existe para nós e para a ciência que a representa. Se não há acesso directo às coisas, ao próprio real, há que assumir a natureza política da actividade científica. Como fazer para fazer falar por si próprios aqueles em nome dos quais se vai falar? Não admira, pois, que seja a Ciência ou a Igreja que pretendam falar em nome da natureza, das coisas ou do real para melhor o controlarem. "Scientia est potentia". Sempre se acreditou nisso. Por isso, nunca os deuses estiveram longe das máquinas. Não saúda a NASA cada aterragem nos céus ou cada regresso à terra de uma nave? O próprio Turing menciona o poder criativo de Deus quando fala do computador que inventou. Todos os objectos nasceram coisas, todos os objectos de facto se tornam objectos preocupantes. Martin Heidegger fornece-nos a etimologia da palavra coisa. Em todas as línguas europeias, incluindo a Rússia, há uma grande ligação entre as palavras para coisa e uma assembleia quasi-judiciária. A Coisa é o Parlamento nos países escandinavos (Althing). Uma coisa é, num sentido, um objecto exposto, e, num outro sentido, uma reunião. O mesmo termo designa "matters of fact" questão de facto e "matter of concern", "objectos de preocupação". Heidegger faz uma nítida distinção entre objectos, Gegenstand, e a Coisa celebrada. A jarra feita à mão pode ser uma coisa, enquanto uma lata de Coca feita industrialmente continua a ser um objecto. Este é abandonado ao controlo da ciência e da tecnologia, e só o primeiro, artesanal, pode reunir o seu conjunto de conexões. Os objectos de que se ocupam os filósofos nunca foram muito complicados. Os filósofos nunca lidaram com a espécie de seres com que lida a ciência. A dolomite é tão admiravelmente complexa e talhada que resiste a ser tratada como "a matter of fact." O erro de Heidegger não está em ter traído a jarra, mas em ter traçado uma dicotomia entre Gegenstand e Coisa. Um objecto começou a tornar-se uma coisa, uma questão de facto passou a ser considerada uma enorme preocupação. Temos uma imagem do objecto como algo especial, como uma coisa em frente a nós, Gegenstand, mas não estamos certos de que esta imagem é a única que possamos construir com exactidão (Cacciari, 2005: 70). Vemos as coisas como se estivéssemos dentro delas. Pura fantasia, pergunta Cacciari? Ou haverá uma unidade do sentir originária de onde surgiu o comportamento actual e que parece organizar-se sempre mediante separações e dualidades? (II, III, III). O ponto de vista de B. Latour é este: as coisas tornaram-se Coisas de novo, objectos que voltaram a entrar na arena, a Coisa, em que foram reunidos em ordem a existir mais tarde como estando à parte. Estamos a ver por um lado, um mundo de objectos, Gegenstand, expostos, que não dizem respeito a nenhuma espécie de parlamentos, forums, agoras, congressos, cortes e, por outro lado, um conjunto de forums, "meeting places", "halls" em que as pessoas discutem, estão a chegar a uma conclusão. A etimologia da palavra coisa, causa, res, aitia. Latour pergunta-se: “Was it not extraordinarily moving to see, for instance, in the lower Manhattan reconstruction project, the long crowds, the angry messages, the passionate emails, the huge agoras, the long editorials that connected so many people to so many variations of the project to replace the Twin Towers? I could open the newspaper and unfold the number of former objects that have become things again, from the global warming case I mentioned earlier to the hormonal treatment of menopause, to the work of Tim Lenoir, the primate studies of Linda Fedigan and Shirley Strum, or the hyenas of my friend Steven Glickman. Nor are those gatherings limited to the present period as if only recently objects had become so obviously things. Every day historians of science help us realize to what extent we have never been modern because they keep revising every single element of past matters of fact from Mario Biagioli's Galileo, Steven Shapin's Boyle, and Simon Schaffer's Newton, to the incredibly intricate linkages between Einstein and Poincaré that Peter Galison has narrated in his latest masterpiece. Many others of course could be cited, but the crucial point for me now is that what allowed historians, philosophers, humanists, and critics to trace the difference between modern and pre-modern, namely, the sudden and somewhat miraculous appearance of matters of fact, is now thrown into doubt with the merging of matters of fact into highly complex, historically situated, richly diverse matters of concern. You can do one sort of thing with mugs, jugs, rocks, swans, cats, mats but not with Einstein's Patent Bureau electric coordination of clocks in Bern. Things that gather cannot be thrown at you like objects” (Physical Objects and Scientific Objects pp. 44-66). |
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