Não é possível estabelecer, de forma exacta, a origem das comemorações dos centenários. Porém, a tradição de se celebrarem aniversários e determinados períodos fixos de tempo é bastante antiga. Os hebreus celebravam o aniversário dos cinquenta anos como um jubileu – um tempo em que os direitos eventualmente perdidos eram restaurados, o que conduzia à remissão da servidão, das dívidas e das culpas. As civilizações clássicas atribuíram grande significado à celebração dos aniversários e os romanos chegaram a comemorar centenários. Mas foi com o advento do conceito de século, na época das Luzes, e com o progressivo ascendente que a História assumiu no imaginário das elites oitocentistas, que as comemorações dos centenários passaram a desempenhar um papel importante no conjunto dos rituais através dos quais as sociedades recordam a sua trajectória colectiva e inventam os símbolos que servem de ancoragem às suas identidades.
A partir de meados do século xix tornaram-se frequentes as celebrações dos centenários de grandes homens e de acontecimentos que se consideravam emblemáticos para a comunidade. Três centenários tiveram uma importância decisiva para a vulgarização deste género de evento: o centenário da declaração da independência americana, em 1876, o centenário da revolução francesa, em 1889, e o centenário do próprio século, em 1900 ( Nora, 1992, III: 982). Naquela onda comemorativa se inseriram os centenários realizados em Portugal, desde o tricentenário da morte de Camões celebrado em 1880. Numa época de crise política e financeira, de incerteza e de pessimismo, os centenários que evocavam a época gloriosa da história nacional, nomeadamente os descobrimentos e as grandes navegações, pretendiam impor-se como um alento de esperança e de fé nas capacidades dos portugueses para construir um futuro melhor. Como rezava o Hymno do Centenário da Índia, de Fernandes Costa, em 1898, logo no primeiro verso:
Attentae, que o passado revive,
Portugueses dos tempos d’agora!
Nos rubores sanguíneos da aurora,
Novo dia rompendo vem já.
Vem de longe, do mar, do nascente ,
Traz riqueza, ventura, alegria!
O presente, o presente o annuncia;
O futuro, o futuro o dirá!
O que o presente anunciava era a constituição de um novo império no «chão virgem da terra africana», um novo caminho de epopeias e de glória que libertaria o país da «apagada e vil tristeza» da decadência. As comemorações dos centenários dos descobrimentos serviam, assim, um duplo propósito nacionalista e imperialista, no qual se reviam monárquicos e republicanos.
O fim da monarquia constitucional não impediu que continuasse a haver celebrações de centenários, tanto mais que os republicanos tinham tido um papel decisivo no lançamento dessa ideia em Portugal. Contudo, a instabilidade política que caracterizou a I República portuguesa e a Grande Guerra, com as suas trágicas consequências, não tornaram as condições propícias para grandes comemorações nacionais. Com a implantação da Ditadura fizeram-se vários ensaios de comemorações, mas só em 1940 foi possível ao Estado Novo mobilizar o país no âmbito do Duplo Centenário da Independência e da Restauração. Estas comemorações representaram, por isso, o culminar de uma tradição e um momento áureo da propaganda ideológica do regime salazarista, sob a direcção de António Ferro. |