As disposições regimentais outorgadas a D. Antão de Almada, primeiro capitão-general dos Açores nomeado no âmbito da reforma de Pombal de 2 de Agosto de 1766 (L eite , 1988), dispunham, entre as várias matérias contempladas, que o capitão-general deveria enviar anualmente mapa do qual constaria uma avaliação do estado da defesa de cada ilha e, em particular, sobre os efectivos dos vários corpos militares e suas qualificações e qualidades para o exercício dos postos assegurados (L eite , 1988: 28-29). Estas disposições, dada a natureza do regimento, tinham um carácter permanente e vinculativo para os sucessores de D. Antão de Almada.
De modo análogo, e também com uma periodicidade anual, os capitães-generais deveriam organizar uma informação circunstanciada contendo a avaliação do desempenho , como hoje seria dito, relativa aos magistrados em serviço no arquipélago, esclarecendo as suas qualidades quanto a “…literatura, prudência, préstimo, Limpeza de Mãos, acolhimento das partes, e mais qualidades, que houver, ou faltar em cada hum dos sobreditos…” (L eite , 1988: 31), como referia o texto regimental.
Num plano um pouco diferente, mas igualmente relevante para o tema em objecto de estudo, são de recordar outras normas de não menor relevância que a coroa entendeu confiar ao mesmo governante e seus sucessores. Como é sabido, para além das disposições gerais do regimento em estudo, D. Antão de Almada é ainda portador de um conjunto de instruções, ditas particulares e para “governo secretíssimo”. Trata-se de um normativo circunstanciado do qual constam também orientações concretas quanto ao governo das ilhas, designadamente na área da Fazenda. Nestas instruções, do ponto de vista que interessa relevar – e porque se verificaria uma grande indisciplina nas nomeações para as vereações das ilhas – constam ainda preceitos específicos quanto à forma de prover os cargos municipais, sendo estabelecido com rigor que o poderão fazer “… somente as Pessoas mais distintas das respectivas Terras…” (L eite , 1988: 42). O diploma censurava com aspereza a inclusão de pessoas de inferior condição. No mesmo normativo, ao capitão-general era ordenado providenciar que o provimento dos capitães-mores, sargentos-mores e capitães das ordenanças, fosse assegurado apenas por pessoas nobres.
Estas disposições, independentemente das características do quadro social da época, eram compreensíveis à luz de uma ideia muito presente na documentação de então; a de criar condições para que a nobreza insular tivesse oportunidades de serviço ao rei condizentes com a sua condição. Nos pressupostos da criação do Regimento Insulano – jamais instalado nos Açores como previa a reforma de Pombal – era incluída esta preocupação de proporcionar às elites açorianas postos militares de acordo com o seu estatuto social. O tempo mostrou que tal preocupação não passou de retórica, já que na prática assim não sucedia. Ainda em 1809, a propósito da patente apresentada por José Godinho da Costa Ramalho com mercê de capitão agregado do batalhão de Angra, o general protesta, alegando que os nobres locais se sentirão lesados por verem pessoas estranhas ocuparem os postos nas ilhas (BPARAH, Capitania Geral dos Açores , Livro 4.º: fl. 156).
Entretanto, recuando aos normativos fundadores da Capitania-Geral, menos compreensível é a afirmação constante no § 20 das “Instruções…”, assumindo que o novo governador das ilhas não terá dificuldade em conformar-se com aquelas regras visando contemplar a nobreza, uma vez que “…sendo tão numerosa, não podem nunca faltar Pessoas dignas de Ocuparem os referidos empregos…” (L eite , 1988: 42).
Não é de tomar por garantida esta abundância, pelo menos se generalizada à totalidade do arquipélago e não surpreende um eventual erro de avaliação porquanto, na hierarquização das rendas administradas pela Fazenda dos Açores, o diploma coloca as rendas da Alfândega em primeiro lugar e os dízimos em segundo, quando a realidade aponta em sentido exactamente oposto ( Costa , 2003: 474 ss.).
Por outro lado, são de ter em conta inexplicadas indisponibilidades que a documentação por vezes nos apresenta, além da conhecida indolência e desinteresse de muitos filhos segundos, como se pode concluir das várias queixas formuladas pelos capitães-generais (L eite , 1971: 325 ss.). |