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MARIA AZENHA
"Quase sempre estou cega"
 

INDEX

quase sempre estou cega
meu coração
nada nos falta
lembro-me do mar
É Outono, como sabes

 

nada nos falta

deus não me deu nem avô nem avó

nem nehuma irmã que soubesse ballet

nem sequer uma fotocópia

em ponto pequenino

de nossa senhora ou de são josé

 

tenho pouca sorte

 

por causa da milú

e é um nome que detesto

ela é muito má

é capaz de andar com um pé descalço

e outro com uma pedra no sapato

 

comprei então um baralho de cartas

para escrever

como fazem todos os poetas

que não querem morrer

 

imaginem que ontem fui despedida

faltei ao trabalho

por não poder ser operada

por não haver mais camas

desatei a chorar

abracei-me às mamas

 

e como uma desgraça nunca vem só

mordeu-me uma cobra

uma osga lambeu-me um pé

constipei-me com pó

 

fazia-me falta agora falar com alguém

com o dom afonso henriques

para lhe dizer que me sinto muito triste

porque ele bateu na mãe

 

e que portugal não existe

 

bem feito

 

mais tarde ou mais cedo

a europa tinha que saber

que estamos todos no rossio

com ar condicionado

a jogar às cartas

 

nada nos falta

 

maria azenha - 2006-10-22