O segundo lugar mais óbvio para a citação é, naturalmente, o título, anúncio do texto.
Continuando com a mesma obra, o título Que sinos dobram por aqueles que morrem como gado? , como outros de Rui Nunes, é de uma estranheza que promove em nós uma busca na memória do literário, busca que nos conduz à epígrafe, verso traduzido de Wilfred Owen. Esta inscrição literária ilumina um pouco o enigmatismo do título lembrando o autor do tempo da guerra e de um Requiem (referido no texto), sinalizando uma escrita atravessada por uma componente de ritual e atmosfera fúnebres, pranto pela morte da visão em que radica e seu diário. E é com esta expectativa que inicio a leitura e acompanho, em marcha lenta, cindida entre um diário de escrita e uma polifonia dramática, outro requiem, desta vez, pela morte da visão.
Ainda outro exemplo: Ode & Ceia (Poesia 1955-1984) (1), de Casimiro de Brito. Nele, grafia e fonética criam uma ambivalência que a escrita explora. A grafia evidencia o trabalho de incorporação que subjaz à escrita e à leitura, actividades que realizam o ritual de inscrição numa comunidade, num templo: a literatura, o cânone. A sonoridade da expressão evoca o modelo clássico desse cânone ocidental como referência em ponto de fuga, memória e genealogia: a Odisseia (2). |
(1) Edição utilizada: a de Lisboa, Dom Quixote, 1985.
(2) Sobre este aspecto e outros com ele relacionados da obra deste autor, remeto para Labirinto Sensível (da autoria de Casimiro de Brito e minha), Lisboa, Roma Editora, 2003.
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