Muito frequentemente, a leitura é condicionada de um modo que impõe o reconhecimento da dimensão artística da obra, limitando o espaço da sua recepção. Diversos processos servem essa estratégia e esse objectivo. Um deles é a evocação intertextual . Selectiva, reflexiva, responsável pela (dis)semelhança inerente à vida e morte da imagem estética, às metamorfoses que Dalí consagra em Persistência da Memória (1931), com imagens em liquefacção e escorrência mnésica. Ela clama por reconhecimento e, portanto, pelo leitor capaz de o fazer. Mas também cria e mantém um segundo plano onde o evocado vibra, repercutindo-se na superfície do primeiro. Pode sugerir uma "linhagem" estética, mesmo inesperada. Ou apenas evidenciar a semelhança ou a diferença, ou, mesmo, o diálogo entre textos. Ou compendiar sinais para a leitura do texto onde ocorre. Quando a letra evoca um texto das artes plásticas, a imagem fantasmiza o discurso, incontornável. E tudo se complexifica quando esse fantasma se conjuga e/ou interfere com outro: o efeito de sobreposição de planos e de imagens, cria uma nova e imaginária perspectiva e gera, assim, tensão na leitura, provocando um movimento de alternância e de hesitação entre eles, vertigem de suspensão ou indecidibilidade. A ficção torna-se, então, multicêntrica, semanticamente instável, mantendo-nos em permanente suspeita de outros fantasmas.
Passo a observar o fenómeno em diferentes exemplos, privilegiando o limiar textual, os primeiros e mais óbvios lugares da conquista do leitor e da criação de expectacivas de leitura, com consequências naturais no regime de leitura: a capa, o título e a epígrafe. Concluirei com a perscrutação de algumas modalidades da citação , das mais assumidas às mais dissimuladas. |