O mundo átono a que se adapta perfeitamente o materialismo democrático: “só há corpos e linguagens, nenhuma verdade” - é um mundo em que a máxima da felicidade pela astenia (e a eutanásia), é um mundos ramificados que nenhuma instância do Dois, logo nenhuma figura da decisão consegue avaliá-los, escreve Badiou (1). A apologia moderna da “complexidade” do mundo é um desejo de atonia generalizado. Uma das orientações dos “gender studies” anglo-americanos advoga a abolição da polaridade mulher /homem, considerada como uma das instâncias dos grandes dualismos metafísicos (ser e parecer, uno e múltiplo, mesmo e outro. etc.). “Desconstruir” a diferença sexual como oposição binária é o ideal duma sexualidade desligada da metafísica. O mundo do sexo tende a tornar-se um mundo átono. Ora, a postura sexual não é dada mas construída. Não se nasce mulher (ou homem), tornamo-nos. A postura sexual aparece no mundo do amor, “a cena do Dois”.
O ciberfeminismo é blasfemo: “no âmbito da minha fé irónica, a minha blasfémia, está a imagem do ciborgue” (Donna Haraway, p. 222). O ciberfeminismo é hoje um terreno em que de forma inédita a questão do “género” se coloca de uma forma radical. A narratologia feminista ocupa-se sistematicamente dos discursos que têm a ver com as diferenças de género (gender studies; story-discourse distinction), focando o género de autores, audiências, personagens (reader constructs; reader-response theory). O feminismo começou por ser uma atitude defensiva. Contra a doxa em que se definia o papel da mulher, votada à monotonia da ciclicidade temporal e destruidor da multiplicação da espécie. Ora, a narrativa digital, como a criança, anuncia o novo, o espontâneo, que é o que melhor define o humano, a natalidade (Arendt, 1983; 246). De defensivo, o feminismo tem de tornar-se criador, inovador. A narrativa hipertextual pode ser o berço de onde novas formas imprevisíveis, nasçam. Pela graça da mulher e do seu saber de tecedeira.
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(1) A. Badiou, Logiques des mondes, Seuil, 2006, p. 443: “L’apologie moderne de la ‘complexité’ du monde, toujours agrémentée d’un éloge du mouvement démocratique, n’est en réalité qu’un désir d’atonie généralisée. On a vu récemment l’extension à la sexualité de ce profond désir d’atonie. Une des orientations des gender studies anglo-américaines prône l’abolition de la polarité femme/homme, considérée comme l’une des isntances – sinon même la source – dês grands dualismes métaphysiques (être et apparaître, un et multiple, même et autre, etc).
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