Durante vário dias, o Nautilus afastou-se constantemente da costa americana. Não havia dúvida de que não queria trafegar nas águas do golfo do México nem do mar das Antilhas, não por falta de calado, uma vez que a profundidade média naquelas paragens é de mil e oitocentos metros, mas sim porque tais lugares, repletos de ilhas e sulcadas por vapores, não convinham ao capitão Nemo.
No dia 16 de abril passamos a cerca de trinta milhas da Martinica e de Guadalupe, cujos picos elevados avistei por algum tempo.
Fazia já seis meses que estávamos aprisionados no Nautilus, tendo realizado um cruzeiro de dezessete mil léguas e, como diz Ned Land, não sabíamos quando tudo aquilo iria acabar. Por isso, resolvi - atitude que não havia nem pensado anteriormente - questionar ao capitão Nemo se pretendia nos reter indefinidamente a bordo do submarino.
Tal medida me repugnava, porque, a meu ver, era totalmente inútil. Não devíamos esperar nada do comandante do Nautilus, e apenas confiar em nós mesmos. Além disso, há algum tempo aquele homem mostrava-se preocupado, retraído e menos comunicativo. Dir-se-ia que ele evitava a minha presença. Antes ele se comprazia em me explicar as maravilhas submarinas; agora, deixava-me estudando, sem aparecer no salão.
Que mudança teria ocorrido nele? Qual seria a causa? Não me sentia culpado de nada. Será que ele estava cansado de nossa permanência a bordo? De qualquer maneira, não acreditava que o capitão fosse capaz de nos restituir a liberdade.
No dia 20 de abril, a terra mais próxima de nós era o arquipélago das Lucaias, que espelhava pilhas de pedras pela superfície do mar.
Seriam aproximadamente onze horas da manhã quando o canadense chamou minha atenção para um formigueiro gigante entre a vegetação exuberante.
Ned correu até a janela.
- Que animais espantosos! - exclamou.
Olhei também e não pude conter um movimento de repulsa. Ante meus olhos agitava-se um horrível monstro, digno de figurar nas lendas teratológicas.
Era um polvo de dimensões gigantescas. Teria cerca de oito metros de comprimento e caminhava recuando com incrível velocidade, em direção ao navio, cravando nele os grandes olhos de matiz esverdeado. Seus oito braços, ou melhor, seus oito pés, saindo da cabeça, o que faz com que esses animais sejam chamados cefalópodes, tinham o dobro do tamanho de seu corpo e se agitavam como a cabeleira das Fúrias. Podia-se ver bem as duzentas e cinqüenta ventosas espalhadas na parte interna dos tentáculos, em forma de cápsulas esféricas. Às vezes, tais ventosas se prendiam ao vidro da janela produzindo vácuo. A boca do animal, uma espécie de apêndice córneo parecido com o bico de um papagaio, abria-se e fechava-se verticalmente. A língua, que também era córnea, e com várias fileiras de dentes pontiagudos, saía vibrando como um verdadeiro alicate. Que capricho da natureza! Dar um bico a um molusco! Seu corpo fusiforme e maior em sua parte média formava uma massa de carne, cujo peso deveria ser de vinte a vinte e cinco mil quilos. Sua cor variava muito depressa, segundo o estado de irritação do monstro, indo do cinzento-claro até o marrom-avermelhado.
O que irritara o molusco? Talvez a presença do Nautilus, maior do que ele, e contra o qual de nada valiam seus tentáculos nem suas mandíbulas. Entretanto, a natureza concedeu muita vitalidade a esses polvos gigantes, dotando-lhes de três corações!
De repente, o submarino se deteve. Uma forte batida fê-lo trepidar.
- Será que encalhamos? - perguntei.
- Talvez - respondeu Ned Land. Mas o choque deve ter sido fraco pois continuamos flutuando.
De fato, o Nautilus flutuava, mas não se movia. As pás da hélice não tocava a água. Após um minuto, adentrou no salão o capitão Nemo acompanhado por seu imediato.
Este saiu do salão. Logo depois, a clarabóia se fechou e o teto iluminou-se.
Cheguei com o capitão simultaneamente.
- Curiosa coleção de polvos - disse a ele, com a mesma desenvoltura de um amador perante o vidro de um aquário.
- Realmente, professor - ele respondeu - , e vamos combatê-lo corpo a corpo.
Olhei para o capitão como se não tivesse entendido.
- Corpo a corpo?
- Sim, senhor. A hélice está presa e acho que isso se deve ao tentáculo de um desses polvos, que se introduziu entre as pás.
- E o que pretende fazer?
- Subir até a superfície e matar todo esse bando.
- Será uma tarefa difícil.
- De fato, mas atacaremos também com machados.
- E com arpões também - disse o canadense -, se o senhor não recusar a minha ajuda.
- Aceito-a, sr. Land.
- Eu vou acompanha-los - acrescentei.
Seguindo o capitão, fomos até a escada central.
Ali nos aguardavam dez marinheiros, armados com facas de abordagem. Conselho e eu tomamos duas facas e Ned Land, um arpão.
O combate durou um quarto de hora. Os monstros, derrotados, mutilados, feridos de morte, abandonaram o local e sumiram sob a água.
O capitão Nemo, banhado de sangue, imóvel junto ao holofote, olhou para o mar, que acabara de tragar um de seus tripulantes, e seus olhos ficaram marejados de lágrimas.
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