No dia 29 de
janeiro deixamos para trás a ilha de Ceilão, e o Nautilus, com uma
velocidade de vinte milhas por hora, deslizou entre o labirinto de canais
que separavam as Maldivas das Lequedivas. Havíamos percorrido até aquele
momento sete mil e quinhentas léguas, desde a nossa partida nos mares do
Japão.
No dia
seguinte, o Nautilus seguia rumo noroeste, na direção do mar de Omã, entre
a Arábia e a península indiana.
- O que
pretendia fazer o capitão Nemo? Aquilo era um atoleiro. O Golfo Pérsico
não tem saída e se entrássemos nele, logo teríamos que voltar atrás. -
Assim se expressava Ned Land, e com razão. Porém eu conhecia a teimosia do
capitão e sabia que seria inútil fazer objeções. Limitei-me a dizer a Ned:
- Faremos o que o capitão mandar, amigo. E se depois do Golfo Pérsico quiser visitar o Mar Vermelho, aí está o estreito de Bab-el-Mandeb para dar-lhe passagem.
- Porém o Mar Vermelho é
tão intransponível quanto o Golfo Pérsico, enquanto não estiver aberto o
istmo de Suez - disse o canadense.
- Paciência, amigo Ned.
Não podemos modificar nada e muito menos mostrar ao capitão o que deve
fazer ou a rota que deve seguir.
- Concordo com o senhor,
professor, mas já estou cansado de ficar encarcerado dentro do Nautilus.
Sabe que já vivemos assim há quase três meses?
- É bem possível -
respondi. - Não estou contando os dias nem as horas.
- Mas quando terminará
tudo isso?
- Tudo virá a seu tempo,
Ned.
Como esperávamos, o
Nautilus navegou até o Mar Vermelho. Ali, no meio de águas cristalinas,
vimos pelas clarabóias notáveis camadas de corais e vastos lençóis
rochosos, cobertos por um manto verde de algas e fungos.
Ao meio-dia encontrei o
capitão na plataforma. Ofereceu-me um charuto e disse-me:
- Que tal, professor?
Gosta do Mar Vermelho? Apreciou suas maravilhas?
- Sim, capitão. Vi cenas
muito interessantes. Todas muito instrutivas para mim. Porém, o senhor não
receia as terríveis tempestades deste mar, nem suas correntezas e recifes?
- De fato, o que me diz
é verdade. Os historiadores gregos e romanos falaram muito mal do Mar
Vermelho. Porém não receio nada a bordo do meu Nautilus. Antigamente, os
naufrágios eram e deviam ser freqüentes...
- O senhor poderia
dizer-me, capitão - perguntei -, a que se deve a cor que tem este mar?
Será a presença de uma alga microscópica?
- Sim, é uma matéria
mucilaginosa, produzida pelas plantas chamadas "tricodesmias", das quais
serão necessárias quarenta mil para ocupar o espaço de um milímetro
cúbico.
- Acho que não é a
primeira vez que o senhor atravessa o Mar Vermelho, a bordo do Nautilus.
- Realmente, professor.
- Diga-me, capitão,
pensando na passagem dos israelitas e na tragédia dos egípcios, o senhor
não descobriu sob as águas vestígios desse grande acontecimento histórico?
Não recolheu nenhum deles?
- Não, professor, e o
senhor compreenderá facilmente. Existe hoje acumulada grande quantidade de
areia no lugar onde passou Moisés com seu povo. Portanto, não há passagem
para o Nautilus. Para satisfazer a sua curiosidade, seria preciso que se
realizassem escavações nessas areias e não duvido que descobririam grande
quantidade de armas egípcias.
- É de se esperar que
façam tais escavações depois da abertura do canal de Suez.
- Canal bem inútil, por
sinal, para o meu Nautilus.
- Porém, útil para o
mundo inteiro - respondi.
- Não quero discutir
essa questão, professor. Honra, pois, ao ilustre Lesseps! Infelizmente,
não posso conduzi-lo pelo canal, porém poderá avistar amanhã os molhes de
Port Said, quando estivermos no Mediterrâneo.
- No Mediterrâneo? -
indaguei.
- Não se espante,
professor - respondeu o capitão sorrindo.
- Como quer que não me
espante? A não ser que o Nautilus navegue por terra firme passando por
cima do istmo...
- Ou por baixo, sr.
Aronnax. Já faz tempo que a natureza realizou embaixo dessa nesga de terra
a obra que os homens executam hoje em sua superfície.
- Então, existe uma
passagem?
- Sim, uma passagem
subterrânea, a qual chamo de o "túnel da Arábia". Começa em Suez e vai até
o golfo de Pelusa. |