TEATRO

 
Farsa de Inês Pereira
GIL VICENTE
 

Entra o Moço com uma carta de Arzila, e diz:

MOÇO
Esta carta vem d'Além Creio que é de meu senhor.

INÊS
Mostrai cá, meu guarda-mor E veremos o que i vem. Lê o sobrescrito. «À mui prezada senhora Inês Pereira da Grã, À senhora minha irmã.» De meu irmão...Venha embora!

MOÇO
Vosso irmão está em Arzila? Eu apostarei que i vem Nova de meu senhor também.

INÊS
Já ele partiu de Tavila?

MOÇO
Há três meses que é passado.

INÊS
Aqui virá logo recado Se lhe vai bem, ou que faz.

MOÇO
Bem pequena é a carta assaz!

INÊS
Carta de homem avisado.

Lê Inês Pereira a carta, a qual diz:

«Muito honrada irmã, Esforçai o coração E tomai por devação De querer o que Deus quiser.» E isto que quer dizer? «E não vos maravilheis De cousa que o mundo faça, Que sempre nos embaraça Com cousas. Sabei que indo Vosso marido fugindo Da batalha pera a vila, A meia légua de Arzila, O matou um mouro pastor.»

MOÇO
Ó meu amo e meu senhor!

INÊS
Dai-me vós cá essa chave E i buscar vossa vida.

MOÇO
Oh que triste despedida!

INÊS
Mas que nova tão suave! Desatado é o nó. Se eu por ele ponho dó, O Diabo me arrebente! Pera mim era valente, E matou-o um mouro só!

Guardar de cavaleirão, Barbudo, repetenado, Que em figura de avisado É malino e sotrancão. Agora quero tomar Pera boa vida gozar, Um muito manso marido. Não no quero já sabido, Pois tão caro há de custar.

 
Farsa de Inês Pereira
 
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