TEATRO

 
GIL VICENTE
Auto da Barca do Inferno
 
 
Torna o Onzeneiro à barca do Inferno e diz:

ONZENEIRO

Houlá! Hou! Demo barqueiro! Sabês vós no que me fundo? Quero lá tornar ao mundo e trazer o meu dinheiro. que aqueloutro marinheiro, porque me vê vir sem nada, dá-me tanta borregada como arrais lá do Barreiro.

DIABO

Entra, entra, e remarás! Nom percamos mais maré!

ONZENEIRO

Todavia...

DIABO

Per força é! Que te pês, cá entrarás! Irás servir Satanás, pois que sempre te ajudou.

ONZENEIRO

Oh! Triste, quem me cegou?

DIABO

Cal'te, que cá chorarás.

Entrando o Onzeneiro no batel, onde achou o Fidalgo embarcado, diz tirando o barrete:

ONZENEIRO

Santa Joana de Valdês! Cá é vossa senhoria?

FIDALGO

Dá ò demo a cortesia!

DIABO

Ouvis? Falai vós cortês! Vós, fidalgo, cuidareis que estais na vossa pousada? Dar-vos-ei tanta pancada com um remo que renegueis!

 
 
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