TEATRO

 
GIL VICENTE
Auto da Barca do Inferno
 
 
Vem Joane, o Parvo, e diz ao Arrais do Inferno:

PARVO

Hou daquesta!

DIABO

Quem é?

PARVO

Eu soo. É esta a naviarra nossa?

DIABO

De quem?

PARVO

Dos tolos.

DIABO

Vossa. Entra!

PARVO

De pulo ou de voo? Hou! Pesar de meu avô! Soma, vim adoecer e fui má-hora morrer, e nela, pera mi só.

DIABO

De que morreste?

PARVO

De quê? Samicas de caganeira.

DIABO

De quê?

PARVO

De caga merdeira! Má rabugem que te dê!

DIABO

Entra! Põe aqui o pé!

PARVO

Houlá! Nom tombe o zambuco!

DIABO

Entra, tolaço eunuco, que se nos vai a maré!

PARVO

Aguardai, aguardai, houlá! E onde havemos nós d'ir ter?

DIABO

Ao porto de Lucifer.

PARVO

Ha-á-a...

DIABO

Ó Inferno! Entra cá!

PARVO

Ò Inferno?... Eramá... Hiu! Hiu! Barca do cornudo. Pêro Vinagre, beiçudo, rachador d'Alverca, huhá! Sapateiro da Candosa! Antrecosto de carrapato! Hiu! Hiu! Caga no sapato, filho da grande aleivosa! Tua mulher é tinhosa e há-de parir um sapo chantado no guardanapo! Neto de cagarrinhosa!

Furta cebolas! Hiu! Hiu! Excomungado nas erguejas! Burrela, cornudo sejas! Toma o pão que te caiu! A mulher que te fugiu per'a Ilha da Madeira! Cornudo atá mangueira, toma o pão que te caiu!

Hiu! Hiu! Lanço-te üa pulha! Dê-dê! Pica nàquela! Hump! Hump! Caga na vela! Hio, cabeça de grulha! Perna de cigarra velha, caganita de coelha, pelourinho da Pampulha! Mija n'agulha, mija n'agulha!

>>>Chega o Parvo ao batel do Anjo e dlz:
 
 
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