A MÃO SOBRE O MÁRMORE / O FEITIÇO DE RIMBAUD José António Gonçalves 04-04-2005 www.triplov.org |
nos 150 anos do Nascimento do Poeta |
amava a juventude e não o corpo a pureza da pele e não a alma os cabelos que se amarram na brisa e não o cérebro em combustão solar trazia nas mãos as adagas do mal e nos olhos a mágoa da insaciável sede de loucura sã vogando pela poeira das estradas e não o silêncio absurdo da natureza a amaldiçoar-lhe os sonhos os versos as irreconhecíveis pedras de todas as jornadas usava a tristeza como combustível na viagem jamais iniciada por território desconhecido e só dava um passo de cada vez recuando à beira dos abismos e no estremecer dos pântanos como o fazia nas madrugadas escusas de medo e orvalho a poesia usava-a como guardanapo incendiário e o feitiço que carregava no pulsar do sangue servia-lhe para ganhar a margem oposta no esgar ventoso das pontes sobre rios revoltosos inventados à pressa no alinhamento de bares e mares aguardando pelo barco bêbado até amanhecer e cedo partiu esculpido de mármore para junto de Dante e Vergílio no suspenso acto de uma morte inadiável ocultando em terra e cerveja os fermentos de alcoóis de rótulos enchameados pelas sombras dos infernos e tudo o que estava para trás a boémia Verlaine os delírios poéticos para erguer uma parede calada em seu redor das palavras jamais pronunciadas no fundo das notas que destruíam os escritos mais ternos se por milagre hoje fosse vivo talvez voltasse a escrever no branco dos lençóis velhos poemas de amor cobertos de lírios e de tremor lascivo |
José António Gonçalves (inédito.20.10.04) |