A MÃO SOBRE O MÁRMORE / A MORTE DE MR. SEBASTIAN MELMOUTH
José António Gonçalves
04-04-2005 www.triplov.org

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Nos 150 anos do nascimento de Óscar Wilde
 
Lord Douglas chegou consternado
à agência funerária e ofereceu-se para pagar.
Estava escuro nessa zona de Paris
e o cenário lembrava versos de Edgar
Allan Poe, sem faltar o vento e os corvos.
O féretro será do melhor para Mr. Sebastian
Melmouth, garantiu. Uma silenciosa plateia
de um homem só esperava pela chegada
da urna, seguida pelo soluçar do benfeitor.
Robert Boos não tirou os olhos do chão.
A um deles morrera o corpo de um amor;
ao outro a amizade já não servia para nada.


Dizem que Chopin compunha mesmo ao lado
uma triste sonata, enquanto a chuva caía.
La Fontaine brincava com gatos pretos e Moliére
desmascarava as desgraças da humanidade,
enquanto Balzac redigia manifestos e artigos
para denunciar a hipocrisia dos seus inimigos.
Era 30 de Novembro de 1900 e a capital das luzes
aceitou mais um poeta em toda a sua imortalidade,
enterrando-o primeiro junto a outras tantas cruzes
em ignorado cemitério, emendando depois a mão
para o divinizar em Père Lachaise com o nº. 83,
Avenue Carette, entre Avenue Circulaire e Transval, 3.


O hóspede do Hotel D'Alsace, um elegante anónimo
de lenço colorido ao peito e vida perfumada a absinto,
morrera na miséria, com doença nos ouvidos e a agonia
da meningite, sem que dele os vizinhos adivinhassem
sequer quem se escondia na sua pele. Era um solitário.
Abandonado pelos filhos e pela mulher, continuava
a pagar pelo crime que o levara à Prisão de Reading,
onde o identificaram como o prisioneiro nº. 33,
mas a sua poesia não revelava na sua esplêndida beleza
qualquer rancor, ódio ou sede de vingança. Achava
que isso era para medíocres, nos seus aforismos.
Nos contos, só anjos, aves, nuvens, flores tinham vez.


O pai, William, amava as ilhas, o seu exotismo e pureza.
Contou a história de uma sua viagem à Madeira em livro.
A mãe, Jane Francesca, era a Speranza poética da Irlanda.
Dizem que a 15 ou 16 de Outubro de 1854 receberam nos braços
um filho baptizado Óscar, a que o progenitor deu o seu sobrenome
de Wilde. A mãe era Elgee. Dos dois consigo trazia os traços,
sendo visível como o gene em tudo no homem sempre comanda.
Era tímido, refinado, culto e depois exuberante, atingindo fama
como poeta e como fonte de um "amor que não ousa dizer o nome".
Tragédia, escândalo, espectáculo, vergonha acabaram por afectá-lo
sem que houvesse remédio. A morte chegou em França. E gritou:
"Esse papel de parede é horrível! Alguém precisa de trocá-lo!".
 
José António Gonçalves
(inédito.26.10.04)