As cadeiras em que ninguém se sentava foram
para o lixo. Partidas, tábuas podres, também poderiam
ter servido de lenha, se houvesse alguém
que precisasse de acender a lareira para se aquecer. Mas
há muito que ninguém se junta nesta mesa
onde a última toalha se colou à madeira, com
a humidade dos invernos que se sucederam aos invernos,
acumulando solidões no fundo de vinho seco das garrafas
esquecidas. Ainda abri a cortina, para ver se alguém
chegava; mas os campos estendiam-se até ao limite
das colinas e do bosque; alguns animais ainda pastavam; e
se alguém se avistava, logo desaparecia, como se não
fizesse parte da paisagem.
Afasto a casa vazia do meu horizonte. Sob
as suas telhas, os camponeses esvaziaram os barris
da última aguardente; e os guinchos do porco degolado
ressoaram pelas frinchas do fundo, quando o vento soprava
do norte. Nos caminhos de terra, os velhos de pés descalços
não sentiam as raízes ásperas ou as pedras, como se
uma sola de pele se lhes tivesse colado aos pés; e um silêncio
negro envolvia as suas roupas – o silêncio que
lhes serviria de mortalha, nos velórios sem ninguém,
a não ser as sombras da noite. Que resta da sua memória?
Passos apagados pelas chuvas, nomes que nenhuma
pedra regista, rostos que se perderam nas madrugadas
de névoa, as mais frias entre o natal e o fim do ano.
Mas sento-me com eles nesta casa de ninguém, e
sirvo-lhes o vinho da noite, para que matem a sua sede.
|