Ao contrário do
Génesis, que não nos diz de que qualidade era a árvore da vida,
neste caso sabemos que é uma romãzeira, aqui transformada em romã por um
processo de estilo. O estilo é a alma da poesia. Na poesia, o estilo é
símbolo.
São 51 poemas, ou 51
bagos de romã. Ou 51 romãs? Ou cinquenta e uma romãzeiras? Ou cinquenta
e um jardins? Talvez cinquenta e um Édens com suas cinquenta e
uma sombras. Porque para cada árvore da vida existe uma árvore do
conhecimento do bem e do mal. Para que possa ser reconhecida a vida.
Estes poemas dispõem-se a ser lidos como quisermos ou como soubermos.
Como pudermos. Saboreei os bagos como bafos, alguns como desabafos.
Todos, como palavras para falar do impossível, como a chama que há no
som, ou o sangue que há no sol, o orvalho que há no peito. Falam da
natureza profunda ou alquímica das coisas. Do perfume ou essência do
mundo.
Curtos, incisivos,
cirúrgicos, experiências de lampejo que são e que proporcionam. Para
quem se atrever a olhar a luz que não se limita a iluminar, mas
incendeia.
Falam de sol, mas também
da via que até ele conduz: o luar, os sonhos e a noite, o caminho mais
direto para a luz.
Este livro abriu-me
horizontes e mostrou-me outros mundos. Num deles, apercebi-me da nunca
antes pensada semelhança musical entre as palavras língua e
alaúde. Mais uma vez confirmo o que o meu coração sempre soube: que
para além de todas as discussões científicas e as tendências que vão
estando alternadamente na moda, quem olha a linguagem a partir de
dentro, como uma criança ou um poeta, sabe que ela não é aleatória.
Língua e lábios são alaúdes. Não duvido. Deus não joga aos dados, mais
uma vez se prova.
Portanto, estes poemas
podem também ser lidos como um pequeno tratado poético sobre a natureza
das coisas e da linguagem. Ou um livro particular de estudo: “Estudo
segredos”. E não será o mesmo?
Por outro lado,
ocorreu-me que se eu tivesse de pintar ou de alguma forma representar
estes poemas, fá-lo-ia com baixos-relevos de rendas, ouro e prata,
incrustados de pequenos sinais de natureza, como bagos de romã, rebentos
de ervas, salpicos de espuma da milionésima onda da praia ou gotas de
orvalho. Seria obra de um instante. Porque há uma beleza que brilha
assim.
Mas regressemos ao que
diz. Observamos que mesmo no amor, isto é, no mundo, o grande palco de
aprendizagem do amor, esta poesia aceita a guerra, não procura
obsessivamente a luz. Sabe que é essa uma forma divina de aprender a
encontrá-la.
Os versos têm olhos. Os
olhos possuem uma visão profunda, como um raio x, vêem e dão a ver para
lá do que do poema se vê; ouvem e dão a ouvir para lá de todos os sons;
pressentem e fazem pressentir para lá dos sentidos.
Como toda a boa poesia
amorosa é mística. Como toda a boa poesia mística é amorosa.
E geométrica. O círculo é
a forma e o perímetro são os sonhos. Quanto aos planos de Deus, esses
são desenhados a traços de rostos.
É da transfiguração, ao
modo de Alice, com planetas que fulminam, e flores que nascem nos
cabelos, que esta poesia se sustenta. Para exemplificar a beleza oculta
do mundo, não encontro melhor imagem do que um “cântaro de sol que no
deserto derrama linho e mel” ou uma boca onde “as aves fazem ninho”.
Mas talvez este livro
tenha sido escrito para alertar o mundo para o maior dos cuidados, para
o único necessário cuidado: “Sinto o perigo de passarmos perto das
crianças, / De semearmos destroços de gelo no seu peito.”
Somos as crianças. Sempre
fomos. Enchendo de gelo os nossos próprios peitos. Que o fogo da beleza,
através daquilo a que poderíamos chamar a consciência poética, possa
derreter este gelo antigo e substituí-lo por romãs doces, maduras e
tenras.
Que assim seja.
Cheguei à última página.
Regresso ao início. Mas agora, só eu e os bagos da romã. Digo, os
jardins e suas sombras.
Risoleta C. Pinto Pedro
Julho 2011 |