REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2012 | Número 23-24

 

Memória (s) 

No fim do Outono de 2010, numa tarde em que escrevi  “o  poema é uma metáfora da memória “, dei  conta que estava a nascer Samuel Prado.

Talvez uma nova personagem?

Interroguei-me. 

Duvidei-me. 

Assombrei-me. 

Afinal quem sou?

MARIA AZENHA

Fragmentos de

«A sombra da romã»

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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Lembrei-me então de Hubbell (1):

 

“Não sou uma pessoa.

Sou uma sucessão de pessoas

Reunidas pela memória.

 

Quando o cordão se rompe,

as contas espalham-se.”

 

Regresso assim ao momento do parto.

Ao instante da Inocência.

Quando o cordão se rompe. 

 

E como disse Bobin (2) :  

«Vivemos em cidades, em ofícios, em famílias.  

Mas o lugar onde vivemos em verdade não é um lugar. 

(…)

É  aquele onde esperamos - sem conhecer o que esperamos -, 

aquele onde cantamos - sem compreender o que nos faz cantar.»  

 

Depois, 

«Uma cama de luz,

uma cadeira de silêncio,

uma mesa em madeira de esperança,

nada mais: assim é o pequeno quarto de que a alma é locatária."  

Foi assim que “ A sombra da Romã” , como um relâmpago na Noite, viu o berço e cresceu pela voz -personagem de Samuel Prado.

 

O poema é uma metáfora da memória

O poema é um transplante da memória para o coração.

Aí hiberna.
Acorda.

Dá a volta ao mundo.

Coloca um violino de incêndio nas mãos.
O poema organiza o universo em três ou quatro versos.
Atinge o clímax no crepúsculo das ínsulas.
De alvura e fogo nas artérias explode.

Outras, morre.

Vem ter à boca.
Por vezes acende uma chama de lodo.

Clama gritos de neve e lama.
Quando o sangue ascende à cabeça há um revólver.
Não sabemos o que escreve nas planícies do sangue.

O que derrama na língua.
Vive dentro da névoa.

Expira a cada instante.

Visita o túmulo das mãos.
 

Abre uma chaga no céu.

 

Maria Azenha

 

 

 

1 

Não te aproximes deste poema
No centro tem uma romã
Foi desenhado com uma esfera de silêncio

Dentro queima
Até que Deus queira destruir-lhe o Som.

MARIA AZENHA
A sombra da romã
Apenas Livros, 2011

 

 

2 

O céu está escuro.

Os campos foram destruídos durante a batalha da noite.
Cubro o meu rosto com o véu do seu nome.

 

3 

É Primavera, Amor.

O meu coração nasceu no teu, em flor.

 

4 

Amor, aceita este meu horto de sangue.
Plantei-o com romãzeiras e o alaúde da minha língua.

[...]

  

10 

Nos lagos do sol venho contemplar o teu rosto

Entrego às folhas da noite o cume do teu esplendor. 

 

11 

Leio no céu relâmpagos.

Procuro o teu caminho em plena lua cheia

Como um cântaro de sol que no deserto derrama linho e mel.

 

12 

As aves fizeram ninho na tua boca.

Não faço nada sem ti.  

 

13 

Adormeceste em meus braços nus.
Abrasei-me numa romãzeira.

 

14 

Volta, Amada, não suporto mais a solidão das águas.

Um demente espia o meu coração.

 

15 

Da tua solidão ficou um círculo de sombras
Um talismã que uso em meu cabelo branco.

[...]

 

33 

Amada, levaste-me a beijar a boca de Deus.

E fiquei louco.

 

34 

Um diamante aflora às joias do firmamento.

É a minha Amada nos braços fulminantes da noite. 

 

35 

Uma pomba atirou-nos para longe. 

Separou-nos para nos fazer estrangeiros.

  

36 

Sem ti sou humilhado todas as noites.

 

37 

Estou cada vez mais louco.

Vi na tua boca uma estrela de seis pontas. 

Ardia num fruto da romãzeira.
E tu vinhas de noite ao meu encontro.

  

38 

Beijar-te-ei junto aos frutos da neve

Com ramos de fogo e lábios de alaúde.

 [...] 

 

50 

Como  um relâmpago de noite  fui estudar o céu.

Vi -a  regar com fogo  uma romãzeira .

E fui beijá-la ao  meu refúgio.

 

51

O pó do deserto alimentou mil romãs.

Passei esta Porta com mil rubis nos olhos.

Deixo  aqui  sinais da minha Amada. 

   
 

  Notas
 

(1) Lindley Williams Hubbell nasceu  em Hartford, Connecticut, e morreu em  Kyoto, Japão. 1901-1994

(2) Christian Bobin nasceu  em http://fr.wikipedia.org/wiki/Le_CreusotCreusot, em 1951, poeta e diarista.

   
  Posfácio
 

Risoleta C. Pinto Pedro | A propósito de A Sombra da Romã, de Maria Azenha

 

 

 

 

Maria Azenha (Coimbra, Portugal)
Maria Azenha licenciou-se em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra.
Exerceu funções docentes nas Universidades de Coimbra, Évora e Lisboa.
Exerceu actividade docente no Quadro de Nomeação Definitiva na Escola de Ensino Artístico António Arroio. Escritora. Membro da Associação Portuguesa de Escritores (APE)A
lgumas publicações: Folha Móvel, Pátria D' Água, A Lição Do Vento, O Último Rei de Portugal, O Coração dos Relógios, Concerto Para o Fim do Futuro, P.I.M. (Poemas de Intervenção e Manicómio), Poemas Ilustrativos de Pintura de Valdemar Ribeiro, Nossa Senhora de Burka, Poemas Ilustrativos - De Camões a Pessoa - Viagem Iniciática, A Chuva nos Espelhos, CD O Mar Atinge-nos", De Amor Ardem os Bosques. Participação em Bienais de poesia. Representada com poesia em
Adelaide Cabete e a Palavra encontrada”.(…)
Consultar :
 http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_azenha

http://estrelasegalaxias.blogspot.com 
email:
   maria.azenha@gmail.com

 

 

© Maria Estela Guedes
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