DISCURSO DE CORVOPrevious | Home | Next |
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Andrade Corvo - Propagar, desenvolver, aperfeiçoar e elevar a instrução pública é pois um dos mais seguros meios de promover e assegurar a prosperidade da nação. Para tornar profícuo o ensino, é indispensável que, em cada um de seus graus, ele tenha fins precisos e bem determinados, métodos adequados aos resultados que se querem alcançar, e o firme propósito de inculcar bons princípios, de semear ideias úteis, de habituar o espírito dos alunos a preocupar-se mais de sãs doutrinas do que de vãs palavras, mais da verdade do que da sua ilusória aparência. A liberdade do ensino é a tendência da época; e para que essa liberdade não degenere em anarquia e não esterilize, em vez de fecundar o tranquilo campo da ciência, é preciso que as escolas públicas dêem bons exemplos, apresentem bons modelos, que o ensino particular possa seguir e imitar. Outra coisa indispensável é que todos os graus do ensino público mutuamente se harmonizem e auxiliem; que cada um compreenda a sua especial missão, e a cumpra com a consciência e rectidão, que em todos os serviços públicos é um dever, e que no ensino é mais - é o cumprimento de uma missão. A Escola Politécnica, pela sua origem e pela natureza dos serviços que é chamada a prestar, ocupa no quadro do ensino superior um lugar perfeitamente definido e caracterizado. Diferentes reformas, posteriores à sua instituição, têm obedecido à deplorável tendência, que entre nós há, para confundir num tipo único todo o ensino superior, e para extinguir assim a especialidade de funções das diversas academias e escolas; mas à Escola Politécnica cumpre não esquecer o pensamento, eminentemente civilizador e prático, que inspirou o nobre e ilustrado ministro que referendou o decreto da sua criação, o chorado marquês de Sá da Bandeira. Quando os alunos, ao virem cursar a Escola, trazem no espírito ideias claras, possuem conhecimentos positivos dos princípios das ciências matemáticas e histórico-naturais, e demais receberam educação literária suficiente, são os seus progressos mais rápidos, maior o seu aproveitamento, e cresce relativamente o número dos que conseguem feliz êxito nos exames e honrosas distinções académicas. Desde o ano lectivo de 1842-1843, época em que a Escola Politécnica já funcionava normalmente, até hoje, podem distinguir-se quatro épocas, em relação à natureza e provas de habilitação exigidas aos alunos que entraram na escola. Na primeira época, aos alunos ordinários exigia-se o conhecimento das quatro operações, os rudimentos de português, francês, lógica e desenho linear; e aos voluntários só as duas primeiras disciplinas. Os exames eram pouco rigorosos. Na segunda época, que durou de 1856-1857 até 1862-1863, as habilitações tiveram uma importante alteração: a ordinários e voluntários exigia-se exame de matemática elementar e introdução à história natural. Na terceira época, que durou de 1863-1864 a 1872-1873, estabeleceram-se os exames de habilitação ou exames de madureza. Aos voluntários exigia-se, além dos da época anterior, mais os exames de francês e desenho linear; aos ordinários os mesmos dos voluntários, e além desses, exames de latim, filosofia, geografia e história. Na quarta época, isto é, nos últimos quatro anos, mantiveram-se as mesmas habilitações; mas aos exames de madureza, abolidos, substituíram-se os exames nos liceus perante comissões especiais, o que tem sensivelmente elevado o nível de instrução nos alunos aprovados. A proficuidade do ensino num estabelecimento da índole da Escola Politécnica depende muito dos trabalhos, exercícios e estudos que os alunos fazem durante os seus cursos. Alunos bem habilitados; encontrando, como encontram, nas aulas da Escola, cursos bem dirigidos; e tendo, nas salas de estudo, gabinetes, laboratórios, museu e jardim botânico, quem lhes aplane as dificuldades das matemáticas e os exercite no cálculo, quem os guie nos trabalhos gráficos, quem lhes mostre como funcionam máquinas e aparelhos, como se executam experiências, como se fazem análises, como se estudam, se comparam, se preparam e se classificam os exemplares de História Natural, devem necessariamente tornar-se homens úteis; homens desses, sem os quais o progresso moderno, filho da união íntima e indispensável da ciência com as práticas da vida, é impossível. Por muitas vezes e há muito tempo, tem a Escola Politécnica reconhecido a necessidade de desenvolver o ensino prático, e tem requerido aos poderes públicos que lhe concedam e sustentem salas de estudo, e lhe dêem o pessoal e os meios para exercitar os seus alunos no que é indispensável, para eles saberem aplicar utilmente os conhecimentos científicos que adquirem nos cursos da Escola. Hoje, que os meios de instrução prática são mais e melhores do que o eram há dez anos; hoje, que os museus, gabinetes e laboratórios têm melhorado, e relativamente enriquecido; as salas de estudo poderiam influir eficazmente na instrução prática dos alunos, e ser um complemento dos cursos professados nas diversas cadeiras. Desde 1872, lecciona-se na primeira parte da 3ª cadeira (mecânica) a cinemática aplicada. Elevadas razões justificam a introdução desta disciplina importante no curso de mecânica. Sendo o principal fim da Escola Politécnica preparar para os estudos de aplicação alunos que se destinam para as armas especiais e para a engenharia civil, e a quem é indispensável o conhecimento das máquinas, necessariamente ao ensino da cinemática cabia lugar importante nos cursos da nossa Escola. Há justamente vinte anos, um dos professores que mais honrou esta Escola, o Sr. Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, hoje visconde de Vila Maior e reitor da Universidade, dizia jubiloso neste lugar: À munificência de Sua Majestade o Senhor D. Pedro V, e ao seu ardor pela ciência, devemos a próxima realização do ardente desejo dos astrónomos, vendo levantar em Lisboa um grande Observatório Astronómico, que completará o de Pulkowa nas investigações do mundo estelar. Está levantado, e há muito, o observatório da Tapada. O observatório da Escola Politécnica possui instrumentos de excelente construção e alguns de merecimento excepcional. Fácil é reconhecer que os dois observatórios, modernamente construídos em Lisboa, coexistindo e empenhando-se pelo trabalho assíduo em conquistarem eminente lugar na ciência, não podem senão auxiliar-se, completar-se um ao outro, e cientificamente engrandecer-se, não pela rivalidade estéril, mas por fecunda competência. À solicitude do lente da Escola, o senhor Mariano de Carvalho, se deve em grande parte a criação do nosso observatório. Do zelo do seu ilustrado director, o senhor José Maria da Ponte Horta, lente da cadeira de astronomia, são tantas e tão repetidas as provas, que não se pode deixar de ter nele a mais cabal confiança. Veremos em breve os frutos de estudos importantes, ansiosamente esperados pela ciência. Antes de passar adiante, devo lembrar com gratidão que o observatório astronómico da Escola Politécnica recebeu do Sr. barão de Itacolumi um donativo de 4:500$000 réis, destinado à compra de instrumentos, o que contribuiu consideravelmente para a sua boa e rápida organização. Graças aos esforços do Sr. Pina Vidal, o ensino da Física Experimental entrou em uma nova fase, que pode e deve ter as mais úteis consequências para a instrução e habilitação prática dos alunos. A ciência que estuda o calor, a electricidade, o magnetismo, a luz e suas variadíssimas manifestações; que experimentalmente observa e reconhece a correlação dessas forças entre si e com a potência mecânica; que ensina o modo de aproveitar e de regular a acção delas em vista de aplicações úteis à sociedade: a ciência que tem por base essencial a observação e a experiência não pode ensinar-se senão acompanhando a doutrina com o exemplo, a afirmação da verdade com a prova experimental dela. É isto dizer que um curso de Física, para ser profícuo, carece de numerosos aparelhos, de engenhosos maquinismos, de repetidas e constantes demonstrações práticas. A Física é hoje uma ciência em período activo de desenvolvimento; cada dia a enriquecem novos descobrimentos, a ilustram novas experiências; e por isso se construem aparelhos novos, que desde que aparecem e a ciência sanciona a sua vantagem, se tornam uma necessidade para o ensino. Precisam pois os gabinetes de Física de enriquecer-se continuadamente, mesmo depois de haverem adquirido uma valiosa colecção de custosos instrumentos. O gabinete de Física da Escola Politécnica tem nestes últimos tempos feito aquisições importantes, mas ainda lhe falta muito para chegar a ter o necessário. A sua dotação, como a de todos os nossos estabelecimentos, é insuficientíssima, e pesam sobre ela dívidas, por encomendas que vão sendo pagas por conta das futuras dotações. Acrescem a isto as exigências do ensino prático dos alunos, ultimamente ensaiado com reconhecida vantagem. Esse ensino, em que o lente de Física se tem zelosamente empenhado, traz despesas importantes, e sobre tudo exige pessoal para ele habilitado; exige o auxílio eficaz de um repetidor. Hoje o pessoal está reduzido a um preparador e a um servente; e havendo de continuar, como é indispensável que continuem, os trabalhos práticos dos alunos, três vezes por semana e em sessões de duas horas, a necessidade de um repetidor é evidente e indeclinável. |