Li na primeira versão programática deste colóquio que o tema da «Palavra Perdida», sobre o qual gostaria de alinhar aqui alguns alvitres, deveria ser tratado, de preferência, segundo uma óptica específica, nomeadamente literária e apontando para bibliotecas e colecções de textos esotéricos. Vou fazê-lo tendo em vista, sempre que possível, uma das mais antigas e reputadas colecções literárias de textos esotéricos: a Bíblia.
Isto poderá parecer insólito porque a Bíblia é um livro sagrado — ou melhor, uma colecção de livros sagrados —, pelo menos para a nossa civilização ocidental, mas independentemente do facto de menos de um terço da população do planeta Terra assim a considerar, não deixa de ser verdade que a Bíblia contém e inclui uma vasta amostragem de textos e géneros literários, como por exemplo crónicas, listas de provérbios, conselhos e apotegmas, além de hinos, poemas, biografias, códigos jurídicos, cânticos, cartas, profecias, salmos, evangelhos, textos apocalípticos, etc. Por outro lado, afirmar que uma tão extraordinária colecção de textos inclui também textos esotéricos (ou que muitos dos atrás citados o são, a uma sétima leitura…) não deve surpreender-nos, pois na verdade uma vasta maioria desses textos, na Bíblia, são Rituais de Iniciação de vetustas Escolas de Mistérios, ou pelo menos fragmentos de antigas Instruções Iniciáticas…
Mas não pretendo alongar-me agora sobre este desvio, que daria para outro colóquio, e entro já na matéria que hoje aqui nos reúne.
Antes de falarmos em palavras e em pedras, perdidas ou achadas, comecemos pelos pensamentos, que estão na origem de tudo.
Diz-nos a antiga sabedoria que se pensarmos sempre com rectidão, agiremos sempre com rectidão.
Quem tenha pensamentos de amor para com os seus semelhantes, ou pensamentos de ajuda espiritual, mental ou física, não poderá tê-los sem deixar de exprimir na prática esses pensamentos. Se cultivarmos tais pensamentos em breve veremos o Sol radiar à nossa volta, e descobriremos que as pessoas virão ter connosco com o mesmo espírito e as mesmas ondas que lhes enviamos, de acordo com o ditado: «Dá ao mundo o melhor de ti mesmo, e o que o mundo tem de melhor ser-te-á retribuído», ou, segundo uma outra visão menos optimista: «Sorri e o mundo sorri contigo, chora e o mundo volta-te as costas».
Felizmente, como observa Max Heindel (1865-1919) no seu livro Teachings of an Initiate (7.ª ed. 1987), «os bons pensamentos são mais poderosos que os maus porque estão em harmonia com o rumo da evolução, e dia virá em que seremos capazes de controlá-los positivamente para ajudar a estabelecer no mundo uma paz estável e duradoura».
Tal como sucede com os pensamentos, o mesmo ou mais ainda se aplica às palavras :
«Antes de falar sou senhor das palavras, mas depois que as pronuncio torno-me escravo delas».
A palavra é em si mesma um poder.
A ideia de «palavra de poder» é muito antiga e encontramo-la em diversas tradições, a começar pela clássica egípcia: o papiro de Nesi-Amsu — talvez 3.000 anos antes de Cristo — relata uma história da Criação em que, antes que o mundo e tudo quanto nele se contém começasse a existir, existia apenas o deus Neb-er-tcher («Senhor de Todas as Coisas») — pois nem os outros deuses existiam —, e no momento apropriado Neb-er-tcher proferiu as seguintes palavras criativas:
«Configurei a minha boca e pronunciei o meu próprio nome como uma Palavra de Poder e expandi-me em quanto evolução de Khepera [“Criador dos Deuses”] e desenvolvi-me a partir da matéria primeva que produzirá multidões de evoluções desde o princípio dos tempos».
Para além dos conteúdos, o poder vibratório da palavra é muito forte e bom seria se tivéssemos disposição e tempo para pesar e medir cada palavra antes de a soltarmos por ares e ventos, sabe-se lá com que fastos ou nefastos resultados — como recomendava Cervantes num colorido diálogo entre D. Quixote e Sancho Pança por entre andanças cavaleirescas, citando um provérbio antigo: «Antes de falares, pensa sete vezes». O que, não sendo fácil na prática, pelo menos acautelaria humanamente os tremendos e muitas vezes incontroláveis poderes desse divino dom.
Pela boca do profeta Isaías, declara Jahvé: |