Inutilmente deixei as
janelas abertas, as janelas só me mostraram paisagens irreais, não
as verdadeiras como as que eu vi, quando tranquei todas as janelas.
Desta forma é que me sinto hoje, como me senti ontem e por certo me
sentirei amanhã, com estas nuvens nos olhos me turvando a visão, me
levando a um mundo de treva (sou grato por não enxergar tudo) e me
obrigando a visualizar pontos escuros, reais, em meio à luminosidade
que me veda os sentidos e me falseia a realidade.
Sempre imaginei não ter
medo da morte, na verdade minha morte nunca me assustou. O que me
assusta (e este pensamento me causa medo) é o fim do velório e
aquele calafrio que sentiria, enquanto me levam para o túmulo. Não
gostaria de ser enterrado à beira do crepúsculo, deixado a sós no
silêncio da noite. Talvez eu chorasse de medo ou de profunda
angústia. Não, não me deixem...
Coragem! Sinto que é
preciso coragem para assumir que sinto medo. Não gosto de sentir
medo, mas odeio mentir para mim mesmo. Sou vulnerável e transparente
às perdas, só o medo é perpétuo. Talvez me velem no estilo da
pós-modernidade. Não sei ao certo se me deixarão estático, a sós na
noite, de portas fechadas até o alvorecer, quando voltarão aos
poucos com suas lágrimas lavadas do banho da manhã.
Acredito no céu e no
inferno. Se eu morrer num momento feliz, deixo o céu pelo inferno da
morte. Se a vida, ao morrer, tiver perdido o sentido, que bom que
venha o céu do sono eterno.
Sei que ao me deixarem,
entre o crepúsculo e a noite, a sós na escuridão de minha cova
tapada, começarei a sentir saudades das coisas pequenas, como do
caldo denso da sopa que estarão tomando agora, em silêncio
obsequioso. Pena que eu não possa trazer comigo os romances de
Machado, os poemas de Drummond e os Noturnos de Chopin. Mas me
contento com a cantata noturna dos grilos e o acorde dos ventos nos
ciprestes. Não estou sozinho.
Quando morrer,
compreenderei a solidão dos vivos. A solidão da morte é coisa
natural, talvez nunca questionada. A solidão dos vivos gera muita
coisa inútil, até mesmo teses de pós-graduação. Lembro-me que, em
vida, eu olhava um dia para o tapete grosso da sala e pensava no que
estaria sob as entranhas de suas felpas. Não preciso mais pensar
nisto, é preciso morrer para saber que não há nada por baixo dos
tapetes.
O Ser e o Nada.
Refletia muito sobre isso e só agora compreendo que o Ser é nada,
que o Nada é o próprio Ser que só reflete o zero da existência. Aqui
enxergo isso claramente. Aqui dentro, chego a entender os antigos,
que refletiam mais intensamente à luz da lamparina. Acho que viam
Deus mergulhado no escuro da sala e no brilho das ideias e dos
sentimentos.
Sei que morremos
indizivelmente sós e isso me assusta. Assusta-me, também, pensar na
solidão de minha companheira, quando me deixar na calada da noite e
se afastar em passos lentos e cansados. Algumas coisas, aqui,
consolam e amenizam a solidão. Não tenho de ir ao Banco, atulhado de
papéis e seus códigos de barras. Minha cova só tem um número,
legível, à moda antiga.
Só agora, aqui, percebo
a perda de tempo em querer saber como seria minha morte. Nunca
saberia, como nunca soube. Quando a gente morre, nem sabe que
morreu. Se nasci com a certeza da morte, aqui dentro poderei ter a
certeza da vida? Aqui dentro, medito sobre os que deixei. Não
estarão abrindo cartas de pêsames ou telegramas de condolências.
Manifestações de solidariedade, mesmo que fingidas, só por e-mails.
Rápidos e descartáveis. Sentimentos virtuais.
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