Wilson Daher - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

WILSON DAHER

 

Reflexões sobre a minha morte

 

Wilson Daher, formado na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro), é mestre e doutor em ciências da saúde. É professor de História da Medicina da FAMERP - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.  Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura e articulista de jornais e revistas, é autor de várias peças teatrais. Publicou os livros Antes e Sempre (poesia), Diga adeus ao velho Aristóteles (novela) e Memorial de uma Faxineira (contos).

Inutilmente deixei as janelas abertas, as janelas só me mostraram paisagens irreais, não as verdadeiras como as que eu vi, quando tranquei todas as janelas.  Desta forma é que me sinto hoje, como me senti ontem e por certo me sentirei amanhã, com estas nuvens nos olhos me turvando a visão, me levando a um mundo de treva (sou grato por não enxergar tudo) e me obrigando a visualizar pontos escuros, reais, em meio à luminosidade que me veda os sentidos e me falseia a realidade.

Sempre imaginei não ter medo da morte, na verdade minha morte nunca me assustou. O que me assusta (e este pensamento me causa medo) é o fim do velório e aquele calafrio que sentiria, enquanto me levam para o túmulo. Não gostaria de ser enterrado à beira do crepúsculo, deixado a sós no silêncio da noite. Talvez eu chorasse de medo ou de profunda angústia. Não, não me deixem...

Coragem! Sinto que é preciso coragem para assumir que sinto medo. Não gosto de sentir medo, mas odeio mentir para mim mesmo. Sou vulnerável e transparente às perdas, só o medo é perpétuo. Talvez me velem no estilo da pós-modernidade. Não sei ao certo se me deixarão estático, a sós na noite, de portas fechadas até o alvorecer, quando voltarão aos poucos com suas lágrimas lavadas do banho da manhã.

Acredito no céu e no inferno. Se eu morrer num momento feliz, deixo o céu pelo inferno da morte. Se a vida, ao morrer, tiver perdido o sentido, que bom que venha o céu do sono eterno.

Sei que ao me deixarem, entre o crepúsculo e a noite, a sós na escuridão de minha cova tapada, começarei a sentir saudades das coisas pequenas, como do caldo denso da sopa que estarão tomando agora, em silêncio obsequioso. Pena que eu não possa trazer comigo os romances de Machado, os poemas de Drummond e os Noturnos de Chopin. Mas me contento com a cantata noturna dos grilos e o acorde dos ventos nos ciprestes.  Não estou sozinho.

Quando morrer, compreenderei a solidão dos vivos. A solidão da morte é coisa natural, talvez nunca questionada. A solidão dos vivos gera muita coisa inútil, até mesmo teses de pós-graduação. Lembro-me que, em vida, eu olhava um dia para o tapete grosso da sala e pensava no que estaria sob as entranhas de suas felpas. Não preciso mais pensar nisto, é preciso morrer para saber que não há nada por baixo dos tapetes.

O Ser e o Nada. Refletia muito sobre isso e só agora compreendo que o Ser é nada, que o Nada é o próprio Ser que só reflete o zero da existência. Aqui enxergo isso claramente. Aqui dentro, chego a entender os antigos, que refletiam mais intensamente à luz da lamparina. Acho que viam Deus mergulhado no escuro da sala e no brilho das ideias e dos sentimentos.

Sei que morremos indizivelmente sós e isso me assusta. Assusta-me, também, pensar na solidão de minha companheira, quando me deixar na calada da noite e se afastar em passos lentos e cansados. Algumas coisas, aqui, consolam e amenizam a solidão. Não tenho de ir ao Banco, atulhado de papéis e seus códigos de barras. Minha cova só tem um número, legível, à moda antiga.

Só agora, aqui, percebo a perda de tempo em querer saber como seria minha morte. Nunca saberia, como nunca soube. Quando a gente morre, nem sabe que morreu. Se nasci com a certeza da morte, aqui dentro poderei ter a certeza da vida? Aqui dentro, medito sobre os que deixei. Não estarão abrindo cartas de pêsames ou telegramas de condolências. Manifestações de solidariedade, mesmo que fingidas, só por e-mails. Rápidos e descartáveis. Sentimentos virtuais. 

   
   
   
   
 
 

 

   
   
   
   
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